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O mundo que Genuíno Madruga viu...

A 25 de agosto de 2007, Genuíno Madruga, natural da freguesia de São João, voltou a lançar-se ao mar com o seu Hemingway para realizar a II Volta ao mundo em solitário, tendo chegado ao porto das Lajes do Pico a 6 de junho de 2009.  

Que ligação tem com o mar e desde quando?
A minha ligação com o mar é desde sempre, desde que nasci na freguesia de S. João, pois a casa onde nasci, no Palmo do gato, era virada para o mar. Desde pequeno lembro de ver o mar sempre à minha frente. Mais tarde quando vim para a ilha do Faial com os meus pais também estive sempre relacionado com o mar, ia para a doca, falava com os navegadores na Marina da Horta, de modo que ouvindo tanta história, aquele bichinho foi ficando até que com 12 anos construí a minha primeira chata. Foi assim que tudo começou…
Quando e como é que lhe surgiu a ideia de embarcar nesta aventura de dar a volta ao mundo?
A questão das viagens à volta do mundo foram ideias que foram crescendo ao longo dos anos. Eu ia conhecendo e ouvindo as mais fantásticas histórias dos navegadores, Até que conheci um francês, Marcel Bardiaux, um dos maiores navegadores à vela, primeiro a passar o Cabo Horn, que com as suas vivências marítimas acabou por despoletar estas viagens em mim. Ao longo dos anos fui ouvindo vários relatos sobre Bardiaux, por navegadores que iam chegando ao Faial, sendo a única forma de o seguir, dentro dos possíveis. Em 1998, reencontro-me então novamente com Bardiaux na Horta, onde fez os seus 88 anos.
Em 2000 já tinha realizado a sua I volta ao mundo em solitário. Porquê realizar uma II volta e o que teve de diferente?
A grande diferença da primeira viagem para a segunda é a passagem do Atlântico para o Pacífico. Na primeira viagem passei pelo Canal do Panamá que também é qualquer coisa de extraordinário, enquanto que na segunda foi, então, a passagem do Atlântico para o Pacífico, onde passei o Cabo Horn, sendo esta uma zona de icebergs, com um clima horroroso, considerado por muitos como o maior cemitério de navios de todos os tempos. Quem consegue passar ali, creio que já tem muito para contar.
Em termos logísticos quanto tempo durou a preparação da II volta ao mundo em solitário?
Tudo isto já tem muitos anos, quer a primeira viagem, quer a segunda não foram um projeto de agora, mas de uma vida. Fui reunindo informação ao longo dos anos e criando as condições para que pudesse acontecer. A primeira viagem não ficaria completa sem a segunda e, de facto, o grande objetivo era esta segunda viagem. Sou o 1º português a conseguir passar o Cabo Horn pelo menos nos últimos 500 anos e a nível mundial estou em 10º lugar a passá-lo em solitário e à vela.
Sabia previamente que enfrentaria alguns obstáculos como o cabo Horn. Teve de preparar o Hemingway especificamente para esta situação ou outra?
Obviamente. Primeiro foi o estreito de Lemer e depois o Cabo Horn. São locais com correntes fortíssimas, que conjugada com fortes ventos facilmente se fica lá, quando não se está previamente preparado.
Havia muita expectativa na altura á volta da sua passagem pelo cabo Horn. Como foi vivenciar esse momento? Foi mais fácil ou mais difícil do que esperava?
Nem mais fácil, nem mais difícil. Eu já estava preparado para aquilo. O grande problema nem é passar o Cabo, é chegar á ilha de Horn e depois sair dali navegando no Pacífico, levando sempre com mau tempo pela proa, incluindo neve e temperaturas extremamente baixas. É bom recordar que geralmente as voltas ao mundo são sempre feitas do Pacífico para o Atlântico, portanto, isto não é para qualquer um.
Foi o 1º português a navegar em solitário à volta do mundo. Não teve medo?
Eu ando há muito tempo no mar, mas é sempre bom respeitá-lo e ter cuidado. O treino e conhecimento que adquiri ao longo dos anos é que me deu o “know-how” necessário para realizar esta viagem e ultrapassar os diversos obstáculos.
Como foi para si estar dois anos longe da família?
Não é fácil. Esse é o outro preço que se tem de pagar. Ficar todo esse tempo sem ver as pessoas que nos são mais queridas, como os meus filhos, netos, a Estelinha…não é nada fácil. Recordo-me que uma vez ao fazer uma conferência no Brasil, um miúdo com uns 8 anos perguntou-me: “Mas o senhor está sozinho a navegar por esse mundo fora. Não gosta da sua família?” Fiquei sem saber o que lhe responder, mas na verdade isto não é fácil, e não é só para mim mas também para os que ficam.

Face a algumas dificuldades que encontrou, alguma vez pensou em desistir?
Desistir nunca. O pessoal do Pico nunca desiste.
Qual foi o seu melhor momento?
Destaco a passagem do cabo Horn, enfim com tudo aquilo que vi e vivi, também ir a Timor, local onde percecionei o sofrimento lá passado, destacando ainda a excelente forma como fui recebido por locais e governantes, com destaque para Ramos Horta. Além disso, voltar a passar o Cabo da Boa Esperança, os nossos emigrantes na África do Sul, Argentina, Uruguay são tudo acontecimentos que jamais esquecerei. E voltar à minha ilha naquele amanhecer do dia 6 de junho, depois de tanta coisa boa e má, foi qualquer coisa difícil de explicar e que nunca esquecerei.
Qual o pior momento que elege desta II volta ao mundo?
O pior momento terá sido depois de passar o Cabo Horn, passei lá muitos maus momentos. Aquelas horas pareciam dias…Outra situação foi quando já estava próximo de chegar a casa, o ficar sem mastro, numa situação complicadíssima que aconteceu num instante.
Costumo dizer que se há inferno, se calhar andei lá perto.
O que fazia a bordo para ir ocupando o seu tempo livre?
Tentava ocupar o meu tempo o máximo possível. Desde cozinhar, fazer limpezas, ler, pescar, ouvir música, aproveitava também alguns momentos para falar via rádio com amigos que ia fazendo por esse mundo e aqui para o Faial. Ouvia as notícias e assim ia ocupando os dias e as horas. Mas é bom ter em conta que passar três semanas só a ver céu e mar é muito difícil.
Em termos pessoais estas viagens de circum-navegação certamente mostraram-lhe situações sociais completamente diferentes da nossa sociedade, como situações de miséria, doenças, encontrando culturas muito diferentes. De que forma o Genuíno se transformou, ou sensibilizou com questões como estas?
É verdade. Vemos de tudo por esse mundo fora, coisas boas e algumas menos boas. Atualmente, vivemos num mundo em que temos tudo e vê-se realmente coisas que dão que pensar, desde a maior das pobrezas, miséria… situações que evito falar. Na verdade, estamos perante situações de desigualdade extrema, os ricos cada vez mais ricos e os pobres mais pobres.
Dos vários locais por onde passou, qual o que sugere a visitar?
Sugiro as ilhas do Pacífico, são fenomenais, nomeadamente, as ilhas Marquesas, Polinésia. A ilha de Páscoa também recomendo, assim como Buenos Aires, cidade onde espero um dia regressar, pois todo o ambiente é um espetáculo, o tango, a música, a história…
Depois da sua viagem abraçou um outro projeto, escrever um livro. “O mundo que eu vi” da sua autoria foi lançado a 20 de maio de 2011 num local mítico para a navegação: o Peter’s Café Sport. O que o levou a querer escrever “O mundo que eu vi”?
O livro tem uma primeira parte escrita já há bastante tempo. Depois, é um registo do que vi e vivi e do que fui escrevendo.
As pessoas iam-me sempre perguntando para quando um livro e depois com o proporcionar de vários fatores houve a possibilidade de criação de “O mundo que eu vi”. Claro que não se pôde pôr tudo e havia muito mais, mas tivemos de reduzir. Mas, mesmo assim tem mais de 400 fotografias e um testemunho escrito, reflexo do que vi e vivenciei.

Foi mais fácil para si dobrar o cabo Horn ou escrever este livro?
O livro na primeira parte fala da minha relação com o mar, dos meus tempos de escola, tendo sido escrito já há algum tempo. Um livro é um livro, e o Cabo Horn é o Cabo Horn, são coisas diferentes. Escrever o livro não foi fácil, eu ando no mar, pesco e na realidade nunca fui muito virado para as letras, para a escrita e também não tenho muito tempo para isso devido à vida que tenho. Mas cá está o livro, feito com alguma dificuldade e dentro dos conhecimentos que tenho, e o Cabo Horn também se passou.
A encerrar a nossa entrevista. Para quando um novo projeto?
Bem, duas viagens à volta do mundo e um livro, creio que numa linguagem muito simples, a folha de serviço já está feita. Mas quem sabe, se houver condições para uma terceira viagem o Madruga está pronto, podemos embarcar já amanhã!
Agradeço o apoio pessoal, logístico e promocional que me foi dado por diversas pessoas e instituições ao longo dos dois anos de viagem.
Mais uma vez realço que nada terminou.
Consegui chegar aqui, àquilo a que me propus e aqui deixo o apelo a todos para que façam o mesmo.
Com bom tempo, mau tempo, com sol ou chuva vamos em frente.

Cátia Goulart

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