João gago da câmara João Gago da Câmara, jornalista e
ex-locutor da RDP-Açores, fez algumas viagens a Santa Catarina, no sul do
Brasil, e falou com muitos descendentes de açorianos. São estas histórias que
agora conta em livro, a que deu o nome de “Dos vulcões ao desterro”, muitas
delas o impressionaram e que ficam para a história da emigração açoriana. O
livro vai ser lançado em Ponta Delgada no dia 29 de Julho e João Gago da Câmara
já prepara nova obra, desta vez um romance, como conta nesta entrevista
concedida ao “Diário dos Açores”.
“Dos
vulcões ao desterro” é o resultado da sua visão da emigração açoriana para
Santa Catarina enquanto jornalista ou fez investigação mais profunda?
“Dos Vulcões ao Desterro” é mais a visão do jornalista,
se bem que estivesse suficientemente fundamentado do ponto de vista histórico.
O trabalho, como é natural, careceu de consultas prévias
a bibliografia diversa sobre a matéria, sobretudo para poder perceber o que
ainda faltava contar , e era muito, desta senda da emigração açoriana para
Santa Catarina, no sul do Brasil, acontecida na decorrência do reinado de D.
João V, a partir de 1748.
E também percebi que era preciso contar essa saga de uma
maneira mais informal, mais chã, mais acessível a todos, sobre este povo
descendente dos antigos colonos, residindo pelas freguesias e lugares da bela
ilha a quem bati às portas à beira da lagoa, com quem tomei chá, que vi
trabalhar na renda de bilros e a atirar a tarrafa às águas, que ouvi cantar a
açoriana Ratoeira, com quem participei nas festas do Divino Espírito Santo, de
quem colhi histórias extraordinárias fruto das crendices que ainda perduram no
seu imaginário, que vi partir para o mar e tirar o pão da terra.
Quais
as histórias que mais o impressionaram?
Impressionaram-me, sobretudo, as viagens absolutamente
brutais que, em meu entender, foram das mais dramáticas de toda a emigração
portuguesa.
Foram viagens penosas sem regresso as de quantos se
lançaram nessa aventura épica.
Confiava-se em promessas vãs e partia-se rumo ao
desconhecido, arrostando contra mares bravios de um Atlântico perigoso e
fatídico.
E lá iam amontoadas famílias inteiras, homens, mulheres,
crianças e velhos e, com as marítimas doenças, como foi exemplo o mortífero
escorbuto, e as más condições das embarcações construídas para transporte de
carga, só os mais fortes resistiram.
O Atlântico foi, por isso, cemitério de muitos desses
temerários.
Depois, porque foram para o sul, próximo de terras
espanholas, tiveram que resistir às investidas das tropas de Espanha.
Impressionaram-me também as histórias de crendice.
Hoje, em determinadas zonas da ilha de Santa Catarina,
ainda se acredita em bruxas e lobisomens, em mesinhas e maus-olhados.
Acha que esta ligação ancestral com Santa Catarina é
mantida nos dias de hoje, com a dinâmica que se exige entre os Açores e a
comunidade de lá, ou devia-se dar mais atenção à presença dos descendentes ali
radicados?
Considero que muito já foi feito para estreitar laços
históricos e culturais entre os açorianos e os catarinenses.
Missões universitárias foram a Santa Catarina e o mesmo
aconteceu de lá para cá, intercâmbios que frutificaram e que trouxeram e
cimentaram uma consciência própria em todo este processo.
Ainda há relativamente pouco tempo, estiveram em Ponta
Delgada o presidente e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de
Santa Catarina, tendo sido ambos palestrantes numa sessão pública acontecida na
Câmara Municipal de Ponta Delgada.
Mas haverá sempre muito mais a fazer, hajam
possibilidades económicas para avançar com mais intercâmbios.
E sabendo que o que vou dizer pode parecer idiota, mesmo
assim arrisco sugerir um voo, eventualmente quinzenal, até mensal, entre os
Açores e Santa Catarina com o nosso novo avião de longo curso, o A 330 da SATA
Internacional.
Porque não se houver ocupação? A ilha meridional tem 100
praias, montes e vales paradisíacos, gastronomia maravilhosa, uma cidade
metropolitana, Florianópolis, cheia de arquitectura antiga, como o é o açoriano
Mercado Municipal, ermidas e igrejas oitocentistas advindas do nosso povoamento
e um povo alegre e anfitrião por excelência que recebe os visitantes de sorriso
nos lábios e de braços abertos.
Percorreu
muitas comunidades da diáspora açoriana. A de Santa Catarina foi a que mais
impressionou?
São comunidades diferentes.
As da América, Canadá e Bermudas são mais recentes do que
propriamente a catarinense, o que faz terem bem mais presentes os costumes e as
tradições das ilhas do nascimento.
Os aviões andam cá e lá em carreiras regulares,
aproximando muito mais os açorianos de lá e de cá.
Já Santa Catarina, a onze horas e meia de voo, voando-se
a 900 quilómetros à hora, não tendo voos directos e regulares, só mantém o que
para lá foi levado um dia fruto da teimosia que persiste e surpreende dos
descendentes dos velhos colonos açorianos, que, a muito custo, vão mantendo
presente o legado desses avôs chegados Açores à ilha meridional, há mais de
dois séculos e meio.
Conta
neste livro histórias de emigração que deveriam figurar na nossa história. Está
por contar a história desta epopeia açoriana?
Segundo professores universitários catarinenses, este meu
livro colmata uma brecha antes existente, por isso é referido nas promoções à
obra como a história que faltava.
Inclusivamente referem que o livro é didáctico e poderá
bem vir a ser alvo de estudo nas universidades.
Fiz por contar histórias de vida das gentes da ruralidade
descendente dos homens dos vulcões, dos pescadores da barra da lagoa e do
pântano do sul ainda por vezes usando as canoas baleeiras, dos agricultores da
Lagoa da Conceição, das construções do casario de traços fortemente açorianos
implantado em Santo António de Lisboa e em tantos outros povoados da ilha, das
crendices, da música, da religiosidade onde sobressai a crença incontornável no
Divino Espírito Santo, dos sobrenomes que persistem os mesmos de algumas ilhas
dos Açores, das viagens, das dificuldades na fixação, entre muitos outros
pormenores que, do ponto de vista de académicos da Universidade Federal de
Santa Catarina e de outras instituições do saber, como o são Ana Lúcia Coutinho
e Eliane Veiga, queridas amigas que me apoiaram sobremaneira e muito me
aconselharam em várias pesquisas, esta obra virá trazer outra luz ao estudo da
velha emigração para a ilha meridional brasileira.
Depois “Dos vulcões ao desterro” o que é
que se seguirá? Mantém o desejo de enveredar pela ficção?
Já enveredei pela ficção, estando presentemente a
escrever o meu primeiro romance, pelo qual, na qualidade de leitor de mim,
modestamente, estou perdidamente apaixonado.
Sobre o conteúdo, como compreendes, não é oportuno
adiantar mais nada.
Como
tem sido a reacção do público e como vai ser o lançamento em Ponta Delgada?
Do meu ponto de vista, a reacção do público surpreende-me
sempre pela positiva de cada vez que lanço um livro.
Tive uma aceitação manifesta na Terceira e, em Lisboa,
agradavelmente, achei-me convidado a lançar na FNAC onde este livro e o
anterior já se encontram a ser comercializados.
Seguiram-se outras lojas FNAC a convidar-me para mais
apresentações nacionais desta obra, “Dos Vulcões ao Desterro”, mas também da
anterior, “Fragmentos entre dois Continentes”, que, para minha alegria,
passaram ambas na selecção rigorosa de qualidade que a FNAC exige nas obras dos
autores que expõe. Um muito obrigado à FNAC.
Devo agradecer aqui também à minha editora, a Chiado,
pela atenção que presentemente me tem dedicado.
Quanto ao lançamento em Ponta Delgada, este está agendado
para 29 de Julho, às 18 horas, no auditório da Biblioteca Pública e Arquivo
Regional de Ponta Delgada, contando com a apresentação de Alzira Silva,
pesquisadora reconhecida nesta matéria.
Fonte: http://www.diariodosacores.pt/index.php/sociedade/6863-impressionaram-me-as-viagens-absolutamente-brutais-dos-acorianos-para-santa-catarina
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