Curiosidades da linguagem açoriana em paralelo com o Mirandês!

Até há poucos anos, muitas das freguesias dos Açores sofriam de enorme isolamento, particularmente as das Ilhas de Baixo. As Flores, por exemplo, há menos de cinquenta anos, não tinha sequer ligação terrestre para todas as freguesias. Quando me criava, para se ir de Ponta Delgada (freguesia) para Santa Cruz, a Vila, o transporte era feito de lancha ou, para quem tinha boas canelas, calcorreando a pé os atalhos do Mato até lá chegar. Como curiosidade - hoje será um pouco difícil imaginar isto -, as pessoas saíam descalças de casa, ou com um calçado grosseiro (botas de roba, por exemplo), e só se calçavam, com meias e tudo, à entrada da Vila. Os sapatos finos duravam uma vida porque, na Freguesia só eram usados para ir à missa ou em dia de festa - isto para quem tinha sapatos... Mas este facto não se passava somente na Ilha onde nasci. Quando fui estudar para a Terceira, nos anos sessenta, lembro-me de ver abastados lavradores chegarem à Cidade impecavelmente vestidos, com camisa branca, gravata e fato preto da melhor qualidade, mas com os pés como quando tinham sido postos no Mundo. Nessa altura, nos meios rurais, era assim por todo o lado.
Foi esse isolamento que conservou durante séculos as nossas expressões antigas. O mesmo se passava por todo o país desde o Algarve a Trás-os-Montes. Os Mirandeses, por exemplo, conservaram o seu dialecto, oralmente, durante mais de oito séculos, o que lhes valeu poderem orgulhar-se de hoje possuírem a segunda Língua nacional. Foi realmente em 1999 que Portugal, antes considerado o único país monolingue da Europa, passou a ser considerado bilingue. É tão curiosa esta segunda Língua, falada apenas por cerca de quinze mil pessoas, nascidas ou ligadas ao Nordeste transmontano que, se me permitirem, voltarei um dia a referi-la aqui com mais pormenor.
Sem termos tido influência direta de gente desta região, julgo eu, é curioso como possuímos muitos termos em comum. Alguns não passam de arcaísmos aqui conservados, outros não. Dar-vos-ei apenas alguns exemplos, para não ser muito exaustivo. Na Língua Mirandesa ouvem-se ainda os seguintes arcaísmos: 'soudoso', 'sustância' (alimento nutritivo), 'maginar', 'ginela', 'ua' (uma), etc. Tal como se ouvia muito na Graciosa, os Mirandeses também usam o termo 'alcacer', relacionado com ervas para forragem. Àqui-d'el-rei é pronunciado como nós o fazemos, assim como 'aquilho' (aquilo), 'aua' (água), 'desfarçado' (disfarçado), 'desgrácia' (desgraça), 'ôndia' (onda), 'rigular' (regular), 'saçardote' (sacerdote), 'selada' (salada), 'treato' (teatro).
A palavra 'meio' é também pronunciada mei, na construção, por exemplo, mei-dia, por eles pronunciado mei-die. A palavra 'nalgada', registada nos dicionários de Língua Portuguesa como pouco utilizada na linguagem comum, é também muito usada pelos Mirandeses com o mesmo significado de palmada nas nádegas. É curiosa esta palavra por nós utilizada, dado que nos Açores não se usa com frequência o termo 'nalga', mas sim quartos. Os de Miranda usam com o mesmo significado o termo analgada, com a prótese do [a].
Nas Flores usava-se muito o termo 'faia' para designar o indivíduo desempenado, elegante - para eles tem o mesmo significado. Na Terceira é muito frequente ouvir ao povo das freguesias a palavra 'porcatar', corruptela de precatar, mas com o significado de aperceber, dar conta - em Miranda também tem o mesmo sentido.
Usam também 'prumeiro' e 'purmeiro', tal como se ouvia frequentemente nas falas do nosso povo. E, também, 'purfeito', em lugar de perfeito (entre nós também se ouvia 'prefeito' e 'profeito').
A 'rapadura', ou seja, os restos da massa do pão que ficam agarrados ao alguidar da amassadura, nalgumas das nossas ilhas chamada 'esfregadura', tem o mesmo significado na Língua Mirandesa, embora se ouça no plural, 'rapaduras', e são retiradas com as chamadas 'rapadeiras', pequenas colheres de ferro.
E por aqui me fico. Despeço-me com um termo mirandês muito curioso, 'refunfunhegar', expressão reforçativa de 'refunhegar', verbo muito ouvido nas suas falas, com o sentido de respirar com dificuldade pelo nariz, produzindo barulho. Há quem diga que a primeira vez que foi exclamado terá sido na freguesia de Palaçoulo, uma das mais importantes freguesias de Miranda, certo dia em que foi lançada à água uma imagem de madeira muito carunchosa e que o borbulhar da água terá sido o responsável pelo desabafo exclamativo da pessoa...

Fonte: J. M. Soares de Barcelos in http://www.diarioinsular.com/

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