Não há crise nem depressão político-económica que afetem o Carnaval da terceira.Em tempo de "fazer contas à vida", os terceirenses não arredam pé dos salões para uma maratona de quatro (em alguns casos já vai em cinco!) dias de boa disposição. Apesar dos tempos de aperto económico e anímico que a região e o país vivem, foram poucos os casos em que "a porca comeu a dança" e são cerca de seis dezenas os grupos que andam pela ilha, de salão em salão, a mostrar que aquele que será prova-velmente o maior festival de teatro popular do mundo está para durar. Em cima dos palcos da ilha há muita juventude, muita gente a tocar instrumentos com mestria e muitos enredos para fazer sorrir nestes dias quem procura fazer de contas que a crise é algo que os políticos inventaram para nos tirar o prazer de rir de nós mesmos. E esse é "chão que deu uvas" para muitos enredos das nossas danças e bailinhos de Carnaval. Os personagens são a voz do povo em rimas mais ou menos bem alinhavadas. Mas para além da crise económica, as danças e bailinhos voltam a abordar os temas recorrentes da crítica social, com as respetivas "alfinetadas" nos políticos da nossa praça e dos outros que andam pelo terreiro do Paço. Noutro contexto, surgem as críticas às obras da Praça Velha ou à distribuição de cabazes na Praia, que motivou uma inédita interrupção da exibição do bailinho de idosos da agulava por parte de funcionários de uma empresa municipal.O Carnaval terceirense aí está com toda a sua pujança, mobilizando a ilha mesmo todos aqueles que, não podendo estar nos salões, seguem as danças a bailinhos através da rádio, internet e até pelo telemóvel. A tradição do entrudo da terceira está cada vez mais mediatizada. Os estudantes voltaram a sair à rua para os tradicionais desfile e tourada. Apesar de a chuva ameaçar estragar a tarde de domingo de irreverência estudantil, o desfile entre o alto das Covas e a Praça Velha não ficou por fazer. Os temas objeto da sátira estudantil andaram à volta dos assuntos que marcaram a vida dos terceirenses. Os gastos com os espetáculos das Sanjoaninas 2011 ("as Sanjoaninas de primeira/Vão acabar na terceira"), o programa de televisão "Casa dos Segredos" (neste caso a "Casa do enredos"), as obras na Praça Velha e o monumento ao toiro, foram alguns dos temas escolhidos para o desfile e tourada dos estudantes deste ano.
Perto de 60 danças e bailinhos de Carnaval encerram, logo à noite, as suas actuações, colocando um ponto final naquela que é uma manifestação de teatro popular única no mundo. Os códigos de humor do carnaval, o talento dos actores amadores, a qualidade dos grupos, as tradições e as novas gerações em análise pel´ “a União”.
Os perto de sessenta bailinhos e dança da ilha Terceira apresentam-se, logo à noite, pela última vez no Carnaval de 2011.
Contas feitas, são milhares as pessoas que compõem os agrupamentos deste tipo de teatro – numa média de cerca de 20 elementos cada – a representar juntas de freguesia, sociedades recreativas, casas do povo, outras colectividades ou simplesmente grupos de amigo. E são outras centenas de milhar as pessoas que, desde o último fim-de-semana, assistem às múltiplas exibições nos respectivos salões.
À conversa com dois dinamizadores do Carnaval terceirense, Valter Peres e Casimiro Ribeiro, o jornal “a União” analisa aquela que é considerada uma manifestação de teatro popular única no mundo e que mais mexe com as populações da ilha Terceira.
O membro do bailinho do Ramo Grande, Valter Peres, participante há já vários anos no Carnaval terceirense, sublinha o carácter fantástico deste tipo de exibição: “há actores no Carnaval fantásticos”.
“Não sou dos mais experientes, mas já estou há alguns anos nisto e por mais que veja teatro ou vá para o conservatório, não sei se há actores que conseguiriam fazer o que este actores de carnaval conseguem fazer. No Carnaval há do melhor”.
Valter Peres, presidente da direcção do Alpendre, Grupo de Teatro, experiente actor e promotor de diversas actividades culturais, refere que o Carnaval da Terceira tem “códigos de humor” próprios em que os intervenientes são simplesmente “do melhor”.
“Há técnicas que nenhum actor consegue chegar lá”, destaca.
A qualidade dos actores é, portanto, um factor altamente elogiado. Até porque entre o drama – registo que é assumido, embora cada vez menos pelas danças de espada – e a comédia – género rei – existe, refere, uma grande diferença.
Trazendo a experiência do teatro ao palco carnavalesco, Valter Peres refere que, no que diz respeito aos dois principais registos, drama/comédia, o primeiro acaba por ser mais fácil de capturar por parte do actor: “para fazer dramas, existem técnicas que nos ensinam a chorar em pouco tempo. Em termos de humor ou tem-se ou não se tem, ou consegue-se ou não se consegue lá chegar. Existem códigos de humor. E no Carnaval existem imensas pessoas com códigos. Há bêbedos, há gagos, há mulheres que eu nunca vi serem tão bem representados como aqui”.
Carnaval mais teatralizado
“O carnaval está a teatralizar-se cada vez mais. Não tenho dúvidas nenhumas. Mesmo em termos de cenografias, começa-se a ver projectos que levam uma data de materiais cenográficos, ou a nível e marcação, a situação de ir-se ao meio falar já não é a mesma coisa, já há toda uma outra encenação”, explica Valter Peres. Mudanças na manifestação popular que não considera serem negativas, pelo contrário: “eu acho isso bem. Tem havido uma evolução no Carnaval. Senão estávamos a tocar em gaitas de canas como antigamente”.
Em última análise, as transformações que o Carnaval vai sofrendo devem reflectir a vontade de quem o faz: o povo.
“O Carnaval deve ser dado a quem faz Carnaval. As regras externas não devem entrar no Carnaval. É o povo que o faz”.
Fonte: Diário Insular de 09/03/2011; A União de 09/03/2011.
Créditos da Imagem: http://www.cm-ah.pt/showPG.php?Id=832
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