Francisco de Lacerda, nascido em S. Jorge, descendente duma família fidalga,fez o curso do liceu em Angra do Heroísmo e no Porto. Como Berlioz, recebeu de seu pai as primeiras lições de música. Também como autor da Symphonie Funèbre et Triomphale, esteve-lhe destinada a carreira a carreira de médico, trocada, em tempo útil, pelas de compositor e chefe de orquestra.
Fixado em Lisboa, matricula-se no Conservatório e recebe os ensinamentos de José Vieira, Freitas Gazul e Frederico Guimarães. Em 1891 entra no corpo docente do estabelecimento, como professor de piano.
Em 1895 parte para Paris, como bolseiro do Estado. Passa pelo Conservatório, trabalha com Pessard (harmonia), Bourgault-Ducoudray (história da música), Liber (contraponto) e Widor (contraponto e orgão). Em 1897 dá-se o importante ingresso na Schola Cantorum, o que significa o prosseguimento dos estudos de composição com Vincent d'Indy, e de orgão com Guilmant. Descobrindo no discípulo excepcionais qualidades de maestro, Vincent d'Indy escolhe-o para seu substituto na classe de orquestra.
Depois de uma estada nos Açores, onde faz as primeiras recolhas folclóricas, Francisco de Lacerda volta para a capital francesa, em 1900. (...)
Por essa altura começa a apresentar-se públicamente como chefe de orquestra. Desloca-se à Alemanha, onde assiste aos festivais de Bayreuth e recebe lições dos grandes maestros Arthur Nikisch e Hans Richter.
Em 1904 é nomeado director dos Concertos do Casino de La Baule. De 1905 a 1908, de 1908 a 1912, dirige a Associação dos Concertos Históricos de Nantes, por ele fundada, e os concertos da Kursaal de Montreux, respectivamente.
A ele ficou devendo o público desses concertos a revelação de muitas páginas de compositores então mal conhecidos, como Borodine, Mussorgsky, Fauré, Chausson, Debussy, entre muitos outros.
Já anteriormente prestara relevantes colaborações na série de concertos históricos promovida pela Schola Cantorum, em que se ouviam obras antigas de grande significado, mas caídas no esquecimento, como o Ballet Comique de la Reyne e o Orfeo, de Monteverdi.
Bastam estes apontamentos para se verificar que Francisco de Lacerda entrara nos melhores meios artísticos adstritos à vida cultural parisiense. Não se julge, porém, que dessa aclimatação à grande metrópole tenha resultado um desenraizamento da terra natal. Em diferentes cidades estrangeiras proferiu conferências sobre música portuguesa, no mesmo plano em que se ocupou das da Espanha, França e Rússia.
Em 1912-1913 dirige os Grandes Concertos Clássicos de Marselha, cargo que torna a exercer de 1925 a 1928. Entretanto dera-se um acontecimento bem elucidativo da categoria do maestro português. Diaguilev convidara-o a incorporar-se na sua famosa companhia para uma digressão à América.Passou-se isto em 1913, ano da Sagração da Primavera.Quando esteve a última vez em Lisboa, em 1966, Strawinsky recordou Francisco de Lacerda e as suas relações com os Bailados Russos.
Motivos de saúde concorrem para que o honroso convite seja declinado. Francisco de Lacerda é substituído pelo seu discípulo Ernest Ansermet, que virá a fazer uma das mais longas e prestigiosas carreiras de chefe de orquestra. A impossibilidade de corresponder à solicitação de Diaguilev não pode ter deixado de prejudicar Francisco de Lacerda, e tanto mais quanto é certo que o seu país não soube compreender, quando era tempo, o muito que ele podia beneficiar.
De 1913 a 1921 prossegue, nos Açores, os estudos folclóricos anos antes começados, ao mesmo tempo que se dedica à composição. Fixa-se depois na capital, onde funda a promissora Filarmónica de Lisboa, cujos concertos no S. Carlos e no S. João, do Porto, se teriam definitivamente imposto, se as lamentáveis circunstâncias lhes não fossem adversas, marcadas pelo atraso do nosso meio. Contra o ambiente de sufocação criado em torno de Francisco de Lacerda insurgiram-se dos mais ilustres intelectuais portugueses, entre eles António Sérgio, António Arroio, Raul Brandão, Raul Proença, Columbano, Oliveira Ramos, Lopes Vieira, Malheiro Dias, Aquilino Ribeiro, Eugénio de Castro, Reinaldo dos Santos, Pulido Valente e Trindade Coelho.
Compreensìvelmente magoado, Francisco de Lacerda volta para o estrangeiro e desenvolve a sua actividade de chefe de orquestra em Paris, Nantes, Toulouse e Angers. Em Marselhadirige audições integrais de obras como as Paixões segundo S. João e S. Mateus, a Missa em si menor e o Magnificat de Bach, a Missa Solene de Beethoven, Um Requiem Alemão de Brahms, o Parsifal de Wagner, La Vida Breve de Falla e La Demoiselle Élue de Debussy.
De novo afectado por motivos de saúde, Francisco de Lacerda suspende a carreira internacional e volta para Lisboa em 1928. Orienta então a representação musical portuguesa à Exposição de Sevilha e torna a ocupar-se de investigações folclóricas, bem como do estudo de obras portuguesas do passado.
Os poucos anos de vida que lhe restavam não chegaram para realizar todos os seus projectos. Faleceu em Lisboa, no dia 18 de Julho de 1934.
O legado de Francisco de Lacerda, o compositor, inclui os quadros sinfónicos Almourol e Álcacer, música de cena para A Intrusa, de Maeterlink, música de bailado, peças para orgão, para piano, para guitarra, para trio e quarteto de cordas, além das encantadoras Trovas para voz e piano, algumas das quais orquestradas.
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