Culturpico FM à conversa com o Mestre Manuel Morais
“O último grande cesteiro da ilha do Pico”
“Manuel Morais é uma força viva da natureza. Um rochedo, batido pelo
tempo, que teima em se manter de pé. As suas mãos, grandes, secas, gastas e
ternas, continuam a torcer o vime, num bailado que se aproxima do fim. Da “sua”
Terralta, vigia debruçada sobre o mar, olha o mundo e vai tecendo o rendilhado
do vime, com que se agasalha a alma e o sonho.”
Manuel Francisco Costa Júnior
O programa de rádio, Culturpico FM, através da
sua colaboradora Marilda Tavares, esteve à conversa com o mestre Manuel Morais
natural da Terralta, freguesia de Santo Amaro do Pico, conhecido como "o
último guardião dos vimes".
Durante as festas de veão desloca-se, na sua carrinha, às festas mais
importantes da ilha, onde aproveita para vender o seu artesanato feito em
vimes.
Na sua oficina situada na Terralta, percebe-se que cada peça é feita com
dedicação, paixão e quase de olhos fechados, ao sabor da imaginação de quem
merece ver o seu trabalho reconhecido.
Marilda
Tavares - Como surgiu o gosto por esta arte dos vimes?
Manuel Morais - Não foi de
imediato. Comecei a trabalhar numa fábrica de lacticínios durante 37 anos, no
fabrico de queijo e manteiga. Passado algum tempo a firma Martins & Rebelo
foi falhando e por consequência fechando alguns postos, no entanto, colocaram-me
num dos postos na Silveira, mas como a viagem era grande e o ordenado era
pouco, não compensava a deslocação.
A partir da altura em que abandonei a fábrica de lacticínios dediquei-me
intensamente, durante 18 anos, à pecuária, no qual tinha uma lavoura com mais
de sessenta cabeças de gado nas minhas terras.
Em 1994 reformei-me da agricultura e tinha três caminhos à escolha: não fazer
nada; trabalhar de latoeiro; ou trabalhar nos vimes. Dediquei-me à cestaria,
“ao trabalho dos vimes” por achar que seria mais rentável.
M.T. - Com
quem aprendeu a trabalhar nos vimes?
M.M. - A influência de trabalhar nos vimes
herdei-a do meu pai, que, sendo agricultor, também sabia fazer algumas coisas
em vimes, no entanto, não estava sempre ao pé dele para o ver trabalhar e
também ele não era propriamente uma pessoa cheia de paciência para ensinar.
Basicamente fui um autodidata na arte do vime. Faço tudo porque gosto de
experimentar e sou muito persistente.
A primeira peça que fiz foi um açafate e não ficou nada apresentável, tanto que
nem tive coragem de vendê-lo, nem o meu pai deixava! Deixei de fazer durante um
longo período.
No entanto, como tinha sempre muitos vimes cozidos, tentei “salvar a honra” e
comecei novamente a trabalhar nos vimes. Já fiz centenas de açafates, mas faço
de tudo um pouco, depende do gosto do freguês.
É preciso ter muita vontade e ter muito gosto por aquilo que se faz, porqe tudo
requer tempo e paciência.
M.T. - Que
tipo de tratamento requer os vimes?
M.M. - Abasteço-me de vimes praticamente por toda a ilha, desde a freguesia
das Bandeiras até ao lugar dos Foros, freguesia da Calheta de Nesquim. O vime
dura muitos anos sem estragar-se.
É necessário deslocar-me a casa dos fornecedores
para carregar os vimes, depois escolho-os e limpo um a um e, então, segue-se o
processo de cozedura, uma etapa que exige muito tempo e dedicação.
Tiram-se-lhes as galhas e são separados em montes: grossos para um lado, médios
e pequenos para outro.
O processo de cozedura é feito em caldeirões de
ferro ou em bidons metálicos de
gasóleo.
Claro que requer tratamento e o melhor produto para conservar o vime é água
rás, um produto que é utilizado nas tintas.
M.T - E que
tipo de produtos faz com os vimes?
M.M. - Como já referi, faço de tudo um pouco. Mobília de quarto, sofás,
mesas, cestas de fruta, açafates, cabazes, arcas, baús, floreiras,
porta-revistas, entre outras coisas. Empalho também garrafões e garrafas e
recupero, restauro e reabilito peças que estejam danificadas.
M.T. - Faz
trabalhos por encomenda?
M.M. - Faço sim, até para o estrangeiro. Passam
cá vários estrangeiros que me pedem peças para levar para os seus países,
principalmente os imigrantes. São peças, que segundo eles, são difíceis de
encontrar em qualquer ilha dos Açores, e por isso passam cá de propósito para
comprarem.
M.T. - Qual
foi o trabalho que lhe deu mais prazer a realizar?
M.M. - Todos me dão prazer até porque são
diferentes. Mas sou sincero, o que mais gosto de fazer são açafates, nos seus
variados tipos (um vime, dois vimes…). É um trabalho mais rápido mas pouco
rentável.
Se fosse pedir cinco euros à hora por cada peça que faço ou já estava
milionário ou então não vendia nada!
M.T. - Acha
que esta arte deveria ser aprendida nas escolas?
M.M. - Acho e até já fiz várias tentativas para
que isso acontecesse. Atualmente confesso que já não estou disponível para
essas “aventuras”, até porque a idade já pesa e caí recentemente, o que não
facilita o trabalho nos vimes.
Já tive algumas pessoas que quiseram vir aprender, mas depois dizem que dá
muito trabalho e acabam por desistir.
Tenho vontade que haja continuação, mas também tenho noção que esta arte está
com os dias contados aqui no Pico e nos Açores em geral.
M.T. - Sei
que lhe foi feita uma homenagem pela câmara municipal de S.Roque e pelo museu
do Pico. O que sentiu ao ver o seu trabalho reconhecido?
M.M. - Não sei se sou digno de tal homenagem e
fico muito comovido por ser lembrado e reconhecido na minha ilha. Agradeço
muito o livro que escreveram sobre mim, é uma recordação para a vida, bem como
o meu testemunho sobre esta arte.
M.T. -
Senhor Manuel, ainda faz artesanato para as Irmandades do Espirito Santo?
M.M. - Sim, ainda faço e com muito gosto. Faço
para quase todas as irmandades da ilha do Pico e também para a América e Canadá.
Este ano também enviei vários trabalhos para as vinhas do Douro.
M.T. - E
quem quiser aprender esta arte, pode fazê-lo consigo?
M.M. - Pode sim, estou inteiramente disponível.
Aliás, como já referi, tenho um enorme gosto em passar esta tradição para
outras gerações.
Tenho muita pena que esta forma de arte desapareça e que o Pico não conserve
uma das coisas que o carateriza melhor, o “trabalho dos vimes”.
M.T. - Da
minha parte muito obrigada pela sua disponibilidade e continuação de um bom
trabalho.
M.M. - Agradeço do fundo do coração o facto de
cá terem vindo. A minha porta estará sempre aberta.
Fonte: Culturpico FM, Marilda Tavares
Carolina Melo e Simas
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