Vitorino Nemésio
Mendes Pinheiro da Silva, nasceu na Praia da Vitória (ilha Terceira) a 19 de
Dezembro de 1901 e faleceu em Lisboa em 1978.
Vulto maior das letras
portuguesas do século XX e notável académico, Vitorino Nemésio é o mais
relevante escritor nascido nos Açores no último século.
Sua obra literária
distribui-se pela poesia, pela ficção, pelo ensaio e pela crónica. Os seus
livros fizeram dele um dos escritores mais importantes da literatura
portuguesa.
E para saborear um
pouco da sua poesia...
Rocha do Mar
Ao Armando Santos, primo e poeta
Já uma vila dos Açores
Loze ligeira no horizonte.
Será num alto das Flores,
No Pico ou logo de fronte,
Espraiadinha num cume
Ou encolhida em Calheta?
O ser nossa é que resume
Seus amores de pedra preta.
Para vila da Lagoa
Falta-lhe a cidade ao pé,
A distância de Lisboa
Já não me lembro qual é.
Para Vila Franca ser
Falta-lhe o ilhéu à ilharga,
É airosa pra se ver,
Mais comprida do que larga.
Povoação não me parece,
Nos padieiros não condiz,
Aos camiões estremece,
Mas não aguenta juíz.
Pra Ribeira Grande falta-lhe
O José Tavares no quintal,
Rija cantaria salta-lhe
Dos cunhais, branca de cal,
Mas não é Ribeira Grande:
Essa merecia foral!
No dia em que haja quem mande
Será cidade mural.
Nordeste - só enganada
Na vista da Ilha Terceira,
Longe de Ponta Delgada,
Sua sede verdadeira.
Nem Vila do Porto altiva,
A mais velha da fiada,
Em suas ruas cativa
Como princesa encantada.
De cimento a remendaram,
Coroaram-na de aviões,
Mas eternos lhe ficaram
Os bojos dos seus tàlhões.
Se é a Praia da Vitória
Não lhe reconheço a saia:
Enchem-lhe a areia de escória,
Ninguém diz que é a mesma Praia.
Talvez seja Santa Cruz
Da Graciosa, ou a sua Praia,
Com o Carapacho e a Luz
Cheirando a lenha de faia.
De S. Jorge a alva Calheta
Ou a clara vila das Velas,
E o alto, alvadio Topo
Com um monte de pedra preta
Dando realce janelas.
As Lajes ou o Cais do Pico,
A escoteira Madalena
Vilas são de vinho rico,
Qual delas a mais morena.
Santa Cruz das Flores seria
Essa vila açoriana
Ou as Lajes de cantaria
Do bom Pimentel soberana.
Finalmente, só o Rosário,
Que do Corvo vila é,
Pequena como um armário
Ou um chinelinho de pé.
Mas não é nenhuma delas,
Nem Água de Pau, que o foi,
S. Sebastião, ou Capelas,
Da Terceira arca de boi
Como a nossa Vila Nova,
Que nem chegou a ser vila,
Tão branca na sua cova,
Tão airosa, tão tranquila.
Ah, já sei! É delas, fundo,
Que o muro alvo se perfila
Contra os corsários do mundo
Que invejam a nossa vila,
Nosso povo, na folia
De uma rocha de mar bravo,
Que o Guião da autonomia
Só por morte torna escravo.
24 de Abril de 1976
Vitorino Nemésio
Fontes: