Mariana era uma menina que tinha a infelicidade de ter ficado entrevada pelo reumatismo. Passava os dias na cama ali na sua pobre casa na vila das Lajes. Muitas vezes estava sozinha, outras sofria dores horríveis que a mãe tentava aliviar com remédios mandados vir da América.
A menina, contudo, tinha uma distracção: A linda paisagem que dali se via — a Rocha dos Frades. Através da janela do seu quarto, nos dias claros, quase ao anoitecer, quando o sol poente reflectia na rocha a sua, cor de fogo, a entrevadinha sonhava ser liberta por aquelas figuras possantes, talhadas no basalto. Concentrava o seu olhar no frade maior, o senhor padre de missa, que aconchegava ao peito o cibório do qual ia tirando a hóstia para a comunhão dos dois leigos, esculpidos na rocha que pareciam subir a montanha. Nesses momentos a cara pálida de Mariana ficava animada por uma paz doce, até que dores fortes a faziam sair do estado de embevecimento.
Num anoitecer de lua cheia, daquelas tão claras em que a noite parece ser dia, a menina no seu posto de observação viu o senhor frade grande voltar a face para a janela e sorrir meigamente. Lá fora estava tudo muito calmo e silencioso. Os melros e canários dormiam nos ninhos e não havia aragem que fizesse mexer as folhas do milho. Como por encanto, Mariana sentiu que se aproximava da rocha e que trepava a difícil subida, magoando os dedos dos pés ao bater nas rochas das pedras do caminho. Mas nada lhe doía e, ao chegar junto do frade, fixou os seus olhos enormes, sentiu que o seu braço forte se desprendia e pousava na sua cabeça uma mão amiga, ao mesmo tempo que dizia:
— Minha filha, vais curar-te; voltarás a andar...
O que depois aconteceu a menina esqueceu, mas lembrou-se de ter pulado da cama para a janela, ter sentido frio, correr para o quarto da mãe, enfiar-se com ela na cama, aconchegando-se ao seu corpo quente.
Mariana estava curada. Nesse dia, em todos os anos seguintes, a menina ia com a mãe ver a Lomba, rezar e contemplar em adoração o tronco hirto do senhor Frade da Rocha.
Fonte: http://www.lendarium.org/narrative/a-rocha-do-frades-e-a-entrevadinha/
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