Fotografia: José Ricardo Vieira
Decorria o ano de mil setecentos cinquenta e sete e na Fajã de S. João, em S. Jorge,
vivia uma pobre mulher, já de idade, que às vezes era zombada pelos
vizinhos. Nesse tempo, o pão de milho era a base da alimentação e era
cozido em todas as casas, quase sempre ao sábado. Depois limpava-se,
enfeitava-se com flores nascidas nos pequenos jardins e tudo ficava
pronto para o domingo, dia de descanso.
Estava a dita velhinha neste afazeres de pôr o lume ao forno e amassar o pão, quando bateram à porta.
Como tinha as mãos sujas, falou, de dentro, mandando abrir.
A porta rodou sobre os cachimbos e apareceu uma formosa senhora a quem a velhinha com agrado disse:
— Entrai, vinde para junto do meu lar, que eu gosto de dar a todos do pouco que Deus me deu.
Mas a senhora, com a voz de encantar, respondeu:
— Ide dizer a toda a gente que fuja deste lugar e vá para a serra antes de chegar a noite. Um caso estranho vai dar-se em breve.
A senhora fechou a porta e logo a velhinha deixou o que estava a fazer. O lume apagou-se no forno e o pão ficou por acabar de amassar, mas foi de porta em porta, chamando e dizendo a todos que fugissem de casa e da Fajã, porque ia dar-se um acontecimento terrível.
Mais uma vez as pessoas zombaram da pobre velha e ninguém acreditou em tão triste profecia. Mas ela não hesitou e, acreditando no que lhe tinha dito a senhora, pôs-se a caminho da serra, só com a filha, única pessoa da família e da vizinhança que a acreditou. Durante a caminhada, não deixava de cismar no triste caso que se iria dar e nas pessoas que, por serem incrédulas, tinham ficado em perigo na Fajã de S. João.
Pela meia-noite a terra começou a baloiçar e o mar uivava ao longe com um som sinistro. Deu-se um grande terramoto. Muitas encostas desabaram, rochas enormes rolaram pela Fajã, indo parar ao mar, derrubando casas e destruindo cultivações na sua passagem veloz. Os gritos das pessoas, o barulho da terra e das rochas a cair vibravam no mar.
Quando a manhã despertou e o sol começou a subir, à Fajã de S. João estava totalmente destruída e muita gente, que zombara da velhinha, dormia na paz do senhor.
O povo passou a dizer que a velhinha que fizera a profecia tinha falado com a Virgem Santa Maria e que, por ter tido fé, se tinha salvo e à filha.
Fonte:
FURTADO-BRUM, Ângela
Açores: Lendas e outras histórias
Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999
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