Filarmónica Liberdade Lajense celebrou 150 anos!


A Filarmónica Liberdade Lajense celebrou no passado dia 14 de fevereiro 150 anos! No âmbito da comemoração aniversário estive à conversa com Francisco Soares, Presidente da Direção, António Bettencourt, Maestro e Manuel Francisco Costa, Presidente da Assembleia.

Cátia Goulart – Começo esta entrevista por falar com o Presidente da Direção da Filarmónica Liberdade Lajense e neste sentido gostaria de saber quais as dificuldades que mais enfrenta neste momento como Presidente desta instituição?
Francisco Soares – Todos nós sabemos que a principal dificuldade de uma banda é a nível monetário. As pessoas não imaginam o que se gasta em fardamento, palhetas, instrumentos, entre outras coisas e isto tudo somado no final do ano dá uma quantia muito grande. Outra dificuldade é a de juntar a banda. Somos uma banda um pouco jovem e hoje em dia eles não tem sempre a necessária disponibilidade porque tem muitas outras coisas para fazerem, tornando-se assim complicado fazer ensaios com todos os músicos.
C.G. - Sendo esta uma data emblemática para a Filarmónica Liberdade Lajense o que foi programado para a comemoração dos 150 anos?
F. S. – A celebração dos 150 anos foi para nós, enquanto instituição, uma coisa muita boa. Dia 14 de fevereiro, dia do aniversário, tiveemos pelas 8 horas alvorada e hastear da bandeira, seguindo-se a saudação aos lajenses com desfile pela Rua Capitão Mor Garcia Gonçalves Madruga e cumprimentos às entidades oficiais. Às 20 horas teve lugar a sessão solene comemorativa dos 150 anos que terminou a noite com um beberete. No dia 15, houve um assalto de Carnaval e no dia 16 pelas foi a missa solene em homenagem a todos os tocadores e sócios já falecidos seguindo-se um cortejo ao cemitério das Lajes onde colocámos simbolicamente uma coroa de flores para relembrar todos aqueles que deram o seu contributo a esta filarmónica.
C.G. - Há alguém que gostasse de relembrar neste aniversário ou de homenagear por todo o trabalho e dedicação a esta instituição?
F. S. – Esta pergunta é um pouco incómoda, porque ao referirmos nomes é sempre complicado, mas gostaria aqui de lembrar o senhor Faria que já não se encontra entre nós mas que foi um tocador que todos nós gostávamos, uma pessoa sempre bem-disposta e que tocou mais de sessenta anos.  Quanto aos vivos há muitas pessoas a quem fazer o devido reconhecimento, mas sem querer menosprezar ou não valorizar o trabalho de cada um vou referir o nome da D. Fátima e do Flamínio, duas pessoas que talvez a maioria do público não lhes dê o devido valor e não saibam mas foram eles que “pegaram” naquela casa quando ela estava em apuros e aos poucos e poucos muita coisa conseguiram fazer. Por isso acho que a Sociedade Filarmónica Liberdade Lajense também lhes deve um pouco.
C.G. -  Está programada para breve uma viagem da Filarmónica Liberdade Lajense aos Estados Unidos. Quer falar-nos um pouco do que está previsto?
F. S. – Recebemos o convite do Senhor Manuel Eduardo que está na Califórnia e aceitámos o desafio. Iremos aos Estados Unidos da América, mais concretamente à Califórnia em maio próximo e visitaremos e atuaremos em vários estados, indo inclusive a San Diego.
C.G. - Projetos futuros?
F. S. – O maior projeto é conseguir manter a banda no ativo a tocar e o resto logo se verá.
António Bettencourt – Uma das ideias que tenho e gostaria é gravar um CD. Sendo este ano uma data emblemática para a banda em que se celebra os 150 anos tem sentido este projeto porque é um vazio que há numa banda com esta idade. Mas vamos a ver, pois o ano ainda está começando…
C.G. - Hoje, é o maestro da Filarmónica Liberdade Lajense. Como surgiu a música na sua vida e como foi o seu percurso nesta banda?
A. B. – Normalmente isto surge por brincadeira, um amigo leva outro e assim foi. Tive como primeiro regente o saudoso Manuel Xavier, estriei-me pela Páscoa de 1977 como executante de clarinete depois ausentei-me para o serviço militar onde fiz parte em 1981 da banda militar e da banda de Nossa Senhora da Oliveira da Fajã de Cima depois regressei e surgiu em 1989 um convite para eu ir a um curso de regentes na Terceira e este ano faz precisamente 25 anos em que estou à frente da Filarmónica Liberdade Lajense como regente.
C.G. - Quantos elementos tem a filarmónica atualmente?
A. B. – Neste momento temos cerca de 44 músicos.
C.G. - Sabe que idade tem o vosso músico mais velho e o mais novo?
A. B. – O músico mais novo é o Adriano Bettencourt que tem 10 anos e o mais velho é o senhor José Ermelindo que tem 75 anos, sendo que toca música à 61 anos.
C.G. - Há pessoas interessadas em aprender música e entrar para a filarmónica?
A. B. – Alguns vem por curiosidade, outros vem através dos amigos ou familiares e normalmente acabam por gostar.
C.G. - Acredita que a formação musical dos jovens deve começar desde cedo ou esse facto é irrelevante?
A. B. – Falo por mim. Comecei a tocar música já com 16 anos. Na altura não liguei mas hoje penso que já foi tarde. Julgo que quanto mais cedo se principiar melhor. Como se sabe uma parte dos estudantes vão estudar para fora com 18, 19 anos que é quando estão a produzir musicalmente e depois uns voltam mas outros já não e é nesta altura que as bandas são surpreendidas, ressentindo-se muitas vezes, por isso a formação é essencial e quanto mais novos começarem melhor, com 8, 9 anos.
C. G. – Como maestro quais as maiores dificuldades com que se depara?
A. B. – A maior dificuldade são mesmo os ensaios. Normalmente os jovens tem muitas atividades e tenho notado que a filarmónica fica sempre para depois. Não há aquela responsabilidade como quando principiei e em que os nossos pais quase que nos exigiam que tínhamos que cumprir o compromisso e não faltar. Hoje há um certo vazio nos pais, pois não se importam em saber como vão as aulas de música dos filhos, se estes vêm aos ensaios… e por isso faço aqui um apelo aos pais para que acompanhem o máximo que puderem os filhos, porque é bom para eles, incutindo-lhes um certo nível de responsabilidade sendo também bom para a própria banda.
C.G. – Dr. Costa, no seu ponto de vista que importância tem as bandas filarmónicas no trabalho que desenvolvem perante a comunidade?
Manuel Francisco Costa – Aquilo que se vai viveu dfoi um acontecimento único, de grande significado histórico e cultural a nível local e regional, porque somos a segunda filarmónica mais velha do antigo distrito da Horta. Esta comemoração dos 150 anos agregado a um conjunto de iniciativas que vão decorrer ao longo de 2014 que se iniciaram com a sessão solene e que irão ter outras repercussões ao longo do ano eventualmente com a gravação de um CD e com a publicação de um livro com a história da filarmónica que há-de ser lançado por altura da Semana dos Baleeiros. Mas a ida aos Estados Unidos é um acontecimento da maior relevância, é uma coisa inédita na história da banda, pois nunca foi ao espaço internacional e está a haver um grande esforço público e político entre diversas entidades sobretudo devido à questão financeira. Mas estamos todos muito animados, porque as coisas podem dar certo neste processo... mas é preciso trabalhar muito até maio.
Centrando-me na questão das bandas eu penso que as bandas são uma das marcas distintivas da cultura açoriana, nós temos um apreço e uma estima enorme pelas bandas. Temos 103 bandas nos Açores, 13 na ilha do Pico. As bandas são um espaço de convívio social, de afirmação cultural. Portanto, as bandas são um espaço de sociabilidade, coesão social, paz e afirmação cultural da comunidade. É assim que as entendemos, estas fazem parte de nós, quando as ouvimos tocar emocionamo-nos, se for preciso fazemos quilómetros para as ouvir tocar, enfim, as bandas fazem parte do nosso imaginário musical, da nossa memória histórica e cultural.
C.G. - Sendo o Dr. Costa um estudioso e entendido da cultura açoriana, e mais concretamente da nossa ilha… sabe como teve início esta filarmónica ou pelo menos um pouco da sua história?
M. F. C. – Não entrando em muitos pormenores para não ser entediante, a Filarmónica Liberdade Lajense nasceu a 14 de fevereiro de 1864, num primeiro domingo da Quaresma quando se realizava uma procissão de penitência nas Lajes do Pico, na freguesia da Santíssima Trindade como era assim conhecido. Nessa altura chamava-se Filarmónica Lajense, tendo o conceito Liberdade surgido posteriormente num contexto de grande turbulência com a República pós 1910. A filarmónica foi sujeita a um processo de fratura, criaram-se duas filarmónicas a velha e depois surge o nome Filarmónica Liberdade Lajense. Fez o seu trajeto até hoje, percorrendo 150 anos com períodos de maior e menor fulgor, nunca com facilidades, sendo uma referência nos Açores, pois há nos Açores apenas 8 com 150 anos, cinco em São Miguel, uma em São Jorge, uma no Faial e esta no Pico. Todos estes pormenores relacionados com a história da filarmónica estarão bem relatados com muito pormenor e minúcia no livro que o Comendador Ermelindo Ávila irá escrever e que se irá publicar sobre a história da banda.
C.G. - Ao longo destes 150 anos, certamente que muito há a dizer, tendo inclusive a instituição assistido a muitas mudanças. Sendo a Filarmónica Liberdade Lajense um elemento da cultura açoriana, acha que os organismos competentes, bem como o público reconhecem e valorizam o vosso trabalho, esforço e dedicação?
M. F. C. – Tem havido um grande esforço público, nomeadamente a nível governamental e autárquico, mas nunca é demais. Os governantes podem achar que dão muito e em alguns casos dão demais, mas nunca dão bastante, nem sempre dão o merecido. Isto é um projeto de enorme valia, com enorme relevância cultural e nesse sentido tem havido inúmeros apoios e deve continuar a haver. As bandas não podem ser vistas como fontes de despesismo. Pode haver situações que não corram tão bem com filarmónicas que realizam pouco trabalho, que não tenham tanta atividade e que muitas vezes consomam muitas verbas, mas as filarmónicas de facto merecem esse empenho e investimento público. Considero que há dois tipos de filarmónicas: as das zonas urbanas e as das zonas rurais. As filarmónicas dizem mais às comunidades rurais e dizem um pouco menos às comunidades urbanas, pois nas comunidades rurais tem maior afirmação e impacto do que nas comunidades citadinas. As melhores bandas dos Açores estão nas zonas rurais e não nas cidades. No entanto, há também que fazer outra distinção e que toca nesta banda, temos bandas centenárias e bandas de curto tempo. Uma banda antiga, velha, secular, como é o caso da Filarmónica Liberdade Lajense faz a ligação inter-geracional. Muitas pessoas que tocam ou apenas da comunidade sabem que o seu avô, bisavô, pai ou tio tocaram na banda, havendo assim uma ligação afetiva, familiar, intemporal entre a comunidade e a banda. O Pico é uma ilha profundamente rural em que a comunidade que revê e projeta nos agrupamentos musicais.
F.S – Aproveito a oportunidade para agradecer aos nossos tocadores, à direção que muito tem feito e a algumas pessoas que não fazendo parte desta também muito nos tem ajudado. A todos muito obrigado.

Felicito a Filarmónica Liberdade Lajense pela celebração dos seus 150 anos, fazendo votos de que continuem a honrar a cultura musical como tão bem tem vindo a fazer.
Parabéns!



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