" Natália Correia foi uma das mulheres escritoras que marcaram o século XX. Nascida em 1923 na ilha de São Miguel, nos Açores, e profundamente ligada à sua terra e à imagem da mãe, distingui-se pela sua poesia irreverente e apaixonada, na linha do surrealismo que Mário Cesariny de Vasconcelos e António Maria Lisboa encabeçaram em Portugal nos anos quarenta e cinquenta.
A obra de Natália Correia representa entre nós um dos pontos cimeiros dos surrealismo tardio, que deu frutos tão belos como A colher na Boca de Herberto Helder e os poemas de Luiza Neto Jorge. De Natália foram sobretudo os livros "Dimensão Encontrada (1959) e Cântico do País Emerso (1962) , O Vinho e a Lira (1966) que afirmaram a sua espraiada poesia anafórica de insubmissão e revolta, de amor e erotismo, em linguagem iconoclasta. (...) Foi deputada à Assembleia da República após o 25 de Abril, primeiramente pelo P.P.D.. de Sá Carneiro, depois na bancada do P.R.D..
Os seus discursos polémicos, as suas intervenções na T.V., a sua ironia provocatória quase fizeram esquecer o seu talento real da escritora, que por fim lhe valeu, com os seus Sonetos Românticos (1990, o prémio de Poesia da A.P.E e ainda o grande prémio Vida Literária."
Manhã Cinzenta
À partida de S.Miguel
"Ai madrugada pálida e sombria
em que deixei a terra de meus pais...
e aquele adeus que a voz do mar trazia
dum lenço branco, a acenar no cais...
O meu veleiro - era de espuma fria-
levava-o o fervor dos vendavais.
À passagem gritavam-me: onde vais?
Mas só o meu veleiro respondia.
Cruzei o mar em direcções diferentes.
Por quantas terras fui, por quantas gentes,
nesta longa viagem que não finda.
Só uma estrada resta- mais nenhuma:
na Ilha que o passado envolve em bruma,
um lenço branco que me acena ainda..."
Portugal, Madeira e Açores, Abril 1946
- Inéditos 1941/47 (2007:38)
Fonte: Livro "9 ilhas 9 escritoras" Helena Chrystello/ Rosário Girão
Ana Antunes
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