A Tradição Baleeira ainda esta muito presente na gente da vila das Lajes do Pico e penso que haja pouca informação sobre como se mantém esta cultura nos tempos de hoje.
Sendo eu uma atleta de Remo do Clube Náutico das Lajes do Pico a mais de 8 anos não podia deixar de entrevistar este grande homem que me ensinou a dar as primeiras remadas e me deixou com um bichinho saudável por este desporto e por esta cultura.
Entrevista a Filipe José de Brum Fernandes, 28 anos, residente na freguesia de Lajes do Pico com o curso de Técnico Superior - Economista, actualmente funcionário a AMIP (Associação de Municípios da Ilha do Pico) e responsável pelo bote Mª Armanda do Clube Náutico das Lajes do Pico.
C.S.- Por quantos remadores é composto
um bote?
F.F.- Um bote baleeiro a remos é
composto por uma companha (tripulação) de 6 remadores e um oficial (timoneiro).
C.S.- Quais os nomes dos remos?
F.F.- Encontram-se variações entre as
formas escritas, mas grosso modo, de 1 a 6 respectivamente são: Proa
(trancador), Dantavante, Dantarré, Meio, Selha e Boga.
C.S.- Com que frequência fazem treinos
de remo?
F.F.- A forma de treinar pode ser específica
de cada companha. No nosso caso, o número de treinos depende de uma série de
factores, como a fase da época, os objectivos da preparação/manutenção, condição
física da companha, disponibilidade dos atletas (pois não se tratam de
profissionais), estado do tempo, etc. Por norma variam entre 2 e 4.
C.S.- Tem provas com que frequência?
F.F.- As provas, quando a meteorologia
permite, são quase semanais a partir de junho e terminam em agosto.
C.S.- Quantos botes costumam
participar em provas de remo masculino e feminino?
F.F.- O número de botes a participar
nestas regatas tem vindo a aumentar desde que comecei a participar em 2002. Não
consigo dizer com precisão mas as masculinas terão cerca de dez, e as femininas
um pouco menos, mas relativamente próximo.
C.S.- Existe algum local de prova mais
complicado do que outro?
F.F.- Pergunta interessante. Todas as
provas têm algumas especificidades. A localização geográfica dos portos faz com
que haja por vezes tendências em encontrar condições especificas de vento e de
mar em alguns, ou ser mais propicias a influências de outros factores como
correntes. Os horários das provas divergem tremendamente o que influencia
também as condições, especialmente a temperatura. A própria calendarização pode
coincidir com momentos de forma diferentes. Nos meus 3 anos como oficial de
remo, tenho portos onde os resultados foram melhores que outros… mas nem tudo
em desporto tem necessariamente uma explicação ou motivo, e a róxima vez pode
sempre ser diferente.
C.S.- O que pode influenciar o
resultado de uma regata?
F.F.- Um sem número de coisas. A maior
fatia são internas, ou seja, a qualidade e o desempenho em cada dia das
companhas, mas existem também muitas externas. Para além das que já referi
anteriormente, a própria preparação do campo de regata e o sorteio que
determina a posição da largada pode ter grande influência, podendo algumas
posições ser mais vantajosas que outras por variados motivos.
C.S.- Como é a relação entre
clubes/botes?
F.F.- Na generalidade boas. Como em
qualquer desporto, há rivalidades e concorrência, mas tambem grandes amizades e
respeito.
C.S.- Os remadores/remadoras recebem
algum tipo de remuneração ou apoio por praticarem este desporto?
F.F.- Julgo que os remadores são
pessoas muito especiais, que em alguns casos fazem grandes sacrifícios e dedicam
muitas horas para participarem de forma apaixonada nos botes baleeiros, sem
qualquer remuneração. No bote pelo qual sou responsável, procuro remunerar os
atletas com a minha total dedicação e trabalho diário para que possam atingir
os melhores resultados possíveis, com as melhores ferramentas a que temos
acesso, não posso oferecer mais que isso. É lhes oferecida uma refeição nos
dias de regata pelos respectivas organizações, e o clube responsabiliza-se pela
palamenta e os materiais utilizados na manutenção.
C.S.- Para praticar este desporto é
necessário algum tipo de equipamento em especial?
F.F.- Não. Há quem utilize calções,
bonés, luvas, ou outros artigos para maior conforto, mas diria que só é
estritamente necessário ter vontade, tempo e oportunidade.
C.S.- Pode-se praticar este desporto
todo o ano?
F.F.- Não é impossível, mas também não
é normal. Por norma as pessoas concentram-se noutras actividades e desportos
durante o inverno e os botes ficam a “hibernar” até a primavera.
C.S.- É fácil encontrar pessoas que
estejam dispostas a remar?
F.F.- Depende do nível que procuramos.
Para iniciação, felizmente acho relativamente fácil encontrar interessados nas
Lajes do Pico. O remo está enraizado na cultura e os jovens tendem a procurar
activamente os botes para remar. À medida que aumentamos as exigências quanto
ao nível, naturalmente aumentam as dificuldades, como em qualquer desporto.
C.S.- Existe sentido de
responsabilidade em relação aos treinos e material pela parte dos atletas?
F.F.- Diria que na grande maioria sim.
C.S.- Qualquer pessoa pode praticar
este desporto?
F.F.- Acredito que sim, qualquer
pessoa sem impedimentos físicos pode participar. Para participar de forma mais competitiva
na minha opinião é preciso ser uma pessoa com características especiais, mais
mentais até que físicas. Um remador de topo submete-se a dor intensa, fadiga
extrema, voluntariamente, frequentemente, gosta de ir aos seus limites, e acima
de tudo… Nunca desiste!
C.S.- Como é ser responsável por um
bote como o Mª Armanda?
F.F.- O Mª Armanda é um bote histórico
que ao longo de muitos anos teve companhas e oficiais de altíssima qualidade,
que lhe construíram um legado. Dar continuação a esse percurso é um desafio e
uma responsabilidade muito grande. O Maria Armanda tem simpatizantes incríveis
mas também rivais acérrimos, uma cultura vencedora e imagem de competência mas
também pressão resultado da atenção, espectativa,
e história. A exigência, quer de horas na preparação dos 3 compeonatos, quer de
gestão sicológica dos resultados, problemas e ansiedades típicas de quem trabalha
com cerca de 20 atletas compete pelos lugares cimeiros, é muito grande, mas não
deixa de ser um prazer!
C.S.- Duração de um treino de remo
masculino e feminino?
F.F.- Tal como o número de treinos
depende, mas diria entre meia hora e hora e meia.
C.S.- Duração de uma prova de remo?
F.F.- Variam muito pois variam as
distâncias e as condições. Em masculinos os primeiros acabam normalmente entre
os 7 e 10 min, excepcionalmente pode ser bastante mais. Os femininos costumam
ter cerca de dois terços da duração das masculinas.
C.S.- É mais fácil trabalhar com
homens ou mulheres?
F.F.- Muito mais fácil com homens.
C.S.- Qual a média de idades dos
atletas do Clube Náutico das Lajes que praticam remo?
F.F.- Devem começar por volta dos 15
anos, alguns remam até aos 40s, mas média não posso precisar… talvez vinte e
poucos.
C.S.- No fim da época o que acontece
aos atletas e aos próprios botes?
F.F.- São arrumados nas casas, pode
ser feita manutenção, e a actividade para.
C.S.- Como treinador e atleta, tem
algum ritual antes e depois das provas?
F.F.- Não, não sou supersticioso, só
procuro que o ambiente seja de positivismo, concentração e confiança.
C.S.- Como programa os treinos da sua
equipa?
F.F.- Há muito que poderia dizer sobre
esse assunto, muito mais do que caberia aqui. Resumidamente, procuro que cada
treino seja ajustado a um ou dois objectivos escolhidos, à condição da
companha, ao período do calendário, e seja adequado às condições de mar
existentes nesse dia.
C.S.- Para além do remo masculino e
feminino temos mais provas em botes baleeiros, quais?
F.F.- Vela e Perícia.
C.S.- Se pudesse escolher uma delas
qual seria e porquê?
F.F.- Não conseguiria… A beleza e
estratégia de uma regata de vela é excepcional! A adrenalina e emoções do remo
são incomparáveis. Por incluir os dois anteriores e ainda acrescentar uma
largada em terra entre os espectadores e uma transição de remo para vela que
requer um trabalho de equipa e polivalência de outro nível, a prova de perícia
é igualmente especial em minha opinião.
C.S.- A baleação foi uma
atividade muito importante no concelho das Lajes do Pico. Considera importante
a preservação dos botes baleeiros como património regional, bem como a sua
utilização nas regatas, como forma de divulgação da cultura da baleação?
F.F.- Sem qualquer dúvida.
A baleação marcou-nos a todos, de uma maneira ou de outra, e marca a vila! Os
botes baleeiros são de uma elegância incrível, e merecem ser mostrados ao mundo
com orgulho, e em actividade onde brilham verdadeiramente. Outrora foram palcos
de outras aventuras, bem mais sérias que as de hoje. Julgo que cada vez que os
vemos no mar estamos a recordar um pouco essa história incrível, que não pode
ser esquecida.
Lajes do Pico, 11-10-2015.
Carolina Simas
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