"Há mais de 500 anos, seria provável avistar estas aves a caminhar na floresta de Laurissilva, em três ilhas dos Açores e duas da Madeira. Os vestígios paleontológicos estão a ajudar a reconstituir a diversidade natural dos arquipélagos.
Ilu
stração das espécies extintas, da esquerda para a direita: Rallus carvaoensis,
R. adolfocaesaris,R. montivagorum, R. lowei e R. minutus
JOSÉ
ANTONIO PEÑAS/SINC |
Quando foi descoberta pelos portugueses, por
volta de 1427, a ilha do Pico, nos Açores, seria diferente: uma vegetação mais
luxuriante, sem casas nem muros de pedra que guardam a vinha, com mais espécies
animais. Na floresta de Laurissilva poderia encontrar-se o
frango-d’água-do-pico, uma pequena ave que habitaria principalmente o solo.
Parte da fauna
original dos Açores e da Madeira foi extinta quando os humanos chegaram lá. Um
caso agora descoberto é o das cinco espécies de frangos-d’água que existiam na
ilha do Pico, de São Miguel e de São Jorge, nos Açores, e nas ilhas de Porto
Santo e da Madeira.
Uma equipa
internacional estudou ossos encontrados naquelas ilhas, que permitiram
descrever cinco espécies extintas há mais de 500 anos, segundo um artigo
publicado agora na revista científica Zootaxa.
Passo a passo, a paleontologia está a permitir a reconstituição da fauna
natural que existia naqueles dois arquipélagos.
A equipa liderada por Josep Antoni Alcover, do
Instituto Mediterrânico de Estudos Avançados, em Maiorca, Espanha, pensa que as
cinco espécies do género Rallus evoluíram a partir do frango-d’água que
ainda existe no continente europeu (Rallus
aquaticus), incluindo em
Portugal. O Rallus aquaticus tem 23 a 28 centímetros de comprimento e
38 a 45 centímetros de envergadura de asas, habitando no litoral português em
zonas de caniçais com água abundante. Mas esconde-se no meio da vegetação, por
isso é difícil observá-lo. A sua plumagem é castanha na parte de cima do corpo
e nas asas, e azulada por baixo, e tem um bico vermelho distintivo e patas
também avermelhadas. O frango-d’água é uma ave migratória que pertence à
família das Rallidae — grupo muito conhecido por ter
colonizado, ao longo da evolução, as ilhas da Terra. Pensa-se que cerca de 2000
espécies de Rallidae endémicas de ilhas já foram extintas com a chegada do
homem. Ainda há espécies endémicas “nalgumas ilhas remotas da Terra (como nas
Galápagos, em Guam, em Okinawa, na Inacessível, na Nova Zelândia, em Henderson,
em Lord Howe), mas estes são os raros sobreviventes de uma linhagem com um
passado muito mais diverso”, lê-se no artigo científico.
Comparação dos crânios da Rallus aquaticus (em cima) e da Rallus minutus
ALCOVER ET AL.
|
Quando o famoso naturalista inglês Charles Darwin, pai da teoria
da evolução por selecção natural, chegou aos Açores em 1826, no regresso da sua
viagem no navio Beagle,
depois de já ter estado nas Galápagos, não pôde observar ali o resultado da
evolução no género Rallus.
No caso dos frangos-d’água extintos, o tempo em que estiveram naquelas ilhas
tornou-as mais pequenas do que a espécie original e, em muitos casos,
tirou-lhes a capacidade de voar.
“Não se sabe a razão para ter havido uma redução do tamanho do
corpo. Seguramente está relacionada com os recursos na ilha”, diz Josep Antoni
Alcover, acrescentando que as aves deveriam alimentar-se de pequenos
invertebrados. “A perda de capacidade de voar relaciona-se com a ausência de
predadores terrestres (mamíferos carnívoros). O voo é uma actividade
fisiologicamente muito custosa. Voar é muito útil para fugir de predadores. Normalmente,
muitas espécies que evoluíram nas ilhas sem mamíferos predadores perdem a
capacidade de voar.”
Das cinco aves, as espécies mais pequeninas eram a Rallus minutus, da ilha de
São Jorge, e que era robusta e tinha as patas pequenas, e a Rallus carvaoensis, da
ilha de São Miguel, que tinha as patas maiores e um bico mais curvado. Estas
duas espécies já não voavam, tal como a espécie que habitava a ilha da Madeira,
a Rallus lowei,
relativamente pequena e com um corpo bastante robusto. As cinco aves viveriam no
chão, “A causa mais provável de extinção é a introdução do rato-preto (Rattus rattus) e do
ratinho (Mus musculus)
pelos humanos. Estas espécies de aves faziam os ninhos na terra, e os seus ovos
e os pintos deviam ser muito vulneráveis [aos mamíferos]”, diz o cientista.
Assim que os mamíferos chegaram às ilhas, “a extinção deve ter sido muito
rápida, entre alguns anos e algumas décadas”.
Nenhum osso estudado pela equipa, que inclui Fernando Pereira,
da Universidade dos Açores, tem mais de 10.000 anos. Por isso, não se sabe
quando é que estas espécies surgiram na evolução. A maioria dos ossos nem
sequer teve tempo de fossilizar. Os vestígios mais recentes são da espécie
da ilha do Pico, datando de entre 1404 e 1450. “A data mais recente sobrepõe-se
com o momento da colonização portuguesa, e mostra que há uma sobreposição
temporal entre a espécie e os humanos. Provavelmente, [estes ossos] são muito
perto da altura da extinção desta espécie”, lê-se no artigo."
Fonte: https://www.publico.pt
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