Tibério Silva: ’Nos Açores viver somente como actor será extremamente complicado ou impossível’




No teatro, são muitos os momentos de desespero, de angústia, de choro, mas também de alegria e de muita emoção e ao mesmo tempo de crescimento como pessoa ou mesmo como artista. Muitas lágrimas caiem nos rostos de alunos ou pelas inseguranças ou mesmo nos momentos finais das suas carreiras. Isso tem muito valor para este açoriano nascido na ilha do Pico que rumou até Barcelona e que fez dele apaixonar-se cada vez mais pelo que faz
Correio dos Açores: Muitos jovens açorianos rumaram nos últimos anos até ao estrangeiro. O que o levou a sair dos Açores?
Natércio Silva: Bem, o motivo principal que me levou a sair dos Açores foram os estudos, mas também a motivação de conhecer outras cidades, outras culturas e outros conhecimentos. Sou uma pessoa que se fascina com o conhecimento, sou aventureiro e muitas vezes insatisfeito. Foi desta que me aventurei, aos meus 27 anos, a sair dos Açores.

Durante 5 anos esteve ligado ao Teatro em Portugal. Porquê o Teatro?
Sim, estive 5 anos ligado diretamente ao teatro profissional em Portugal, no entanto antes de ir estudar, fiz parte de uma companhia de teatro amador na Ilha do Pico chamada: Muitieramá durante 4 anos. Eu enveredei pelo teatro, pois sou filho de um músico que muitos conhecem a nível regional e que viajou por muitos países do mundo. Neste momento, já tem dois cd’s gravados e é uma grande referência da música tradicional açoreana, mais conhecido pelo seu nome artístico como Manuel Canarinho. Desde pequeno que o universo da música e do teatro sempre estiveram presentes na minha vida, conhecendo assim muitos artistas que me incentivaram e deram muitas dicas para seguir os meus sonhos. Aos meus 27 anos, decidi então seguir esses meus sonhos e fui estudar de novo, licenciei-me em Direcção de Cena e produção teatral na cidade do Porto.

Tira a licenciatura em encenação e produção teatral, depois passa a formador de teatro em Portugal. Que peça mais o marcou?
Sou licenciado em Direcção de Cena e Produção teatral, mas não sou encenador, pois diretor de cena é a pessoa que auxilia o encenador e estabelece ligação entre as diferentes áreas que envolvem uma produção, desde atores, cenógrafos, figurinistas, designers de luz e som, coreógrafos, músicos, etc.
Também estive dois anos a dar aulas de Direção de Cena em duas escolas, uma ligada ao teatro e outra ligada à produção de eventos.
A peça que mais me marcou na minha carreira foi Otelo de William Shakespeare. Estive a trabalhar com um encenador japonês chamado Kuniaki Ida e com atores como António Capelo, João Paulo Costa, Rita Lello, António Júlio, Rute Miranda, João Melo, entre outros. Foi o meu primeiro trabalho a nível profissional e tive aí a oportunidade de demonstrar os meus conhecimentos. Claro que foi muito duro no inicio, pois a realidade entre o mundo escolar e o mundo profissional vai uma grande diferença, mas ganhei com esse trabalho bases que mantenho para toda a vida. Sempre o disse o continuo a dizer, se consegui fazer aquela produção consigo de igual modo fazer qualquer outra.
Existem estruturas nos Açores para se poder desenvolver um trabalho sério ao nível teatral?
Eu julgo que sim. Algumas ilhas dos Açores têm estruturas muito boas para a realização de boas produções. Não conheço muitos desses espaços pois nunca tive oportunidade de as visitar, mas tive colegas que tiveram com produções nos Açores e falaram muito bem das condições técnicas existentes, bem como das equipas técnicas.
E como costumo dizer: o teatro não necessita muitas vezes de grandes espaços ou de grandes meios técnicos. Eu próprio realizei trabalhos em estações de metro ou comboios, edifícios ao abandono, praças, até em cima de ramos de árvores.

Gostaria de regressar à Região para trabalhar nalguma companhia de teatro?
Neste momento e por motivos pessoais julgo que não. Fiz a escolha de viver numa cidade que gosto muito que é Barcelona e embora tenha só feito trabalhos em outras áreas não está abandonada a ideia de voltar a trabalhar no teatro.
A ideia de ir aos Açores realizar alguns trabalhos claro que poderá ser uma possibilidade, e que teria muito gosto, agora decidir voltar para os Açores julgo que ainda é cedo. Temos um oceano que ainda nos limita bastante do restante mundo e nesta fase da minha vida preciso descobrir muito e crescer muito mais.

Nos Açores é fácil viver com a profissão de actor?
Acho que nos Açores viver somente como ator será extremamente complicado ou mesmo impossível, mas também julgo que é um problema a nível nacional, muitos foram os colegas que tiveram de deixar a cidade do Porto rumo a Lisboa para conseguirem mais oportunidades a nível profissional. 
No meu caso, não como actor mas como diretor de cena acabei também por sair do país em busca de novas oportunidades e melhoria de vida. Trabalhar no nosso país é muito complicado e muitos são os meses que trabalhamos meramente para pagar as despesas básicas do mês, já nem falo de caprichos mas sim dos bens de primeira necessidade.

Na sua opinião, quais os principais motivos para o facto de ainda não se ter avançado com a profissionalização do teatro na Região Autónoma dos Açores?
Creio que o motivo é mesmo devido à cultura ser posta à parte em tempos mais difíceis financeiramente. É bastante visível o gosto pela cultura na Região Autónoma dos Açores, desde música, teatro, dança. No entanto, a nível político, muito pouco se tem feito nesse âmbito.

Porque razão o teatro continua a ser uma espécie de parente pobre das expressões artísticas e não se estimula a produção cultural própria, em detrimento da opção de compra de espetáculos externos?
Uma produção teatral requer muito dinheiro. Quando pensamos em um monólogo, o espectador só vê o trabalho desse actor em palco, no entanto para terem um pouco noção da sua complexidade, é necessário um encenador que trabalhe com esse actor durante alguns meses, é necessário um design de figurino, um design de cenografia, um design de luz, um design de som, técnicos de montagens, técnicos de operação, pessoal de produção, pessoal de divulgação, pagar os direitos de autor/tradutor, licenças de representação.... estas são apenas algumas dessas pessoas fazem parte dessa produção, mas podem existir muitas outras e todas elas também são pagas pelos seus trabalhos. 
Claro que ao comprar um espetáculo externo o valor será sempre muito menor, é uma produção que já está elaborada, toda a pré-produção e uma parte da produção já está realizada e não necessita tanto gastos.

Que eventos teatrais mais destaca na sua vida?
São muitos. A nível profissional passei por muitas produções, em média 9 ou 10 por ano. Como trabalhava numa escola de teatro, estava sempre presente em todas as produções como formador ou como director de cena.
Muitos foram momentos de desespero, de angústia, de choro, mas também de alegria e de muita emoção e ao mesmo tempo de crescimento como pessoa, ou mesmo como artista. Muitas lágrimas vimos nos rostos de alunos ou pelas inseguranças ou mesmo nos momentos finais das suas carreiras escolares. Isso tem um valor muito importante para mim e fez de mim apaixonar-me cada vez mais pelo que fazia.
A nível de obras que tive a oportunidade de participar e que destaco para toda a vida foi sem dúvida o monologo “Vulcão” de Abel Neves, interpretado pela actriz Custódia Gallego. A minha participação nesta obra foi muito limitada, apenas como director de cena de acolhimento e dava apoio técnico à actriz em dois momentos da obra. Foi das produções em que cada dia que assistia mais me apaixonava pela obra.

Esteve ligado ao turismo nos Açores. Como está a promoção turística dos Açores?
Sim trabalhei durante 5 anos no sector turístico nos Açores. A promoção turística nos últimos anos e devidos às redes sociais têm tido um grande e excelente crescimento. Acho que os operadores turísticos da região também têm feito um excelente trabalho, vejo os Açores com grande crescimento e com grande cuidado e respeito naquilo que se constrói sem destruir a natureza ou a paisagem rural. 
Julgo que tem havido uma tentativa para melhorar a rede de transportes, com preços mais acessíveis, com mais viagens, no entanto muito mais tem de ser feito, pois vejo algumas ilhas muito favorecidas e outras completamente ao abandono. A nível nacional, os Açores são sem dúvida um dos locais de eleição para umas excelentes férias de descanso, lazer e aventura, com uma oferta muito boa.

Visita regularmente a Região?
Poucas vezes, menos do que gostaria. Visito a Região apenas uma vez por ano, em época de férias, mas se pudesse ao menos 3 vezes no ano estaria aí a visitar a família, amigos e sem duvida a admirar o meu Atlântico e a sua beleza paisagística.




http://www.correiodosacores.info/index.php/destaques/19297-tiberio-silva-nos-acores-viver-somente-como-actor-sera-extremamente-complicado-ou-impossivel

Carolina Simas

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