O arame era uma enorme extensão de fio de aço bem
esticado e preso nas extremidades a enormes vergas de madeira, umas lá no cimo
da alta Rocha da Fajã e outras cá em baixo, numa espécie de espojadoiro, para
tal construído. O arame formava com a rocha e o caminho paralelo à Ribeira e
que dava para a Figueira, uma espécie de triângulo rectângulo do qual
constituía como que uma real e verdadeira hipotenusa. Assim, fixando-se
rijamente de alto abaixo da rocha em diagonal, os molhos, presos por fortes
ganchos de ferro em forma de "S" ou de "C", eram nele
colocados, um a um e deslizavam vagarosa mas airosamente, como que dançando e
balouçando-se ao longo do arame, ao sabor do vento e da gravidade, até
atingirem, por vezes, enorme velocidade, e chegarem cá abaixo, donde eram
imediatamente retirados.
Na Fajã Grande, ladeada a oeste por uma infinidade de rochas, existiam pelo
menos mais três ou quatro arames: um na Rocha da Ponta, um na dos Paus Brancos
e outro no Cabeço da Rocha, mas o principal e mais utilizado era realmente “o
Arame da Ribeira”. O arame, inevitavelmente, fazia parte da vida quotidiana
fajãgrandense.
Ora a ganapada de outros tempos, sem brinquedos de plásticos e sem ipads e consolas, brincava com aquilo com
que via os pais trabalharem no seu dia-a-dia. Era assim com as vacas de sabugo
ou de favas, com os barcos de madeira, com a máquina de desnatar leite de
batata branca, com os porquinhos de batata-doce, com as cadeirinhas de junco e
com tantas outras coisas. Uma delas era brincar ao arame.
Para brincar ao arame, normalmente, procurava-se um local ou um sítio
desnivelado. O estaleiro do milho era o mais utilizado. Outras vezes um
maroiço, uma parede, um pátio mais alto ou até a janela de uma casa velha.
Depois arranjava-se um fio de barbante ou outro qualquer, por vezes até uma
espadana desfiada e muito bem atada, sem que os nós se salientassem em demasia.
Amarrava-se uma das extremidades do fio no alto e outra no chão e esticava-se
bem. Os ganchos eram feitos de pedacinhos de arame que se encontrava por aqui e
por ali. Quando não se tinha arame recorria-se a um garrancho de lenha de
incenso ou faia, que formasse um "V" invertido. Os molhinhos eram
feitos do que havia mais à mão: fochos,
sabugos, ramos de árvores, por vezes até uma pequena pedra. Todos estes
artefactos eram amarrados com fios de espadana, presos nos ganchinhos e uma vez
pendurados no fio, começavam a deslizar por ele abaixo como desciam os molhos
dos nossos pais colocam lá no alto da Rocha, através do Arame da Ribeira ou dos
outros existentes na freguesia.
Uma brincadeira encantadora, esta do arame.
Fonte: Carlos Fagundes
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