Ali, o Feiticeiro

Os Açores são conhecidos pelos seu lugares mágicos, que escondem histórias e lendas, como é o caso da lenda do Ali, o Feiticeiro.
Em tempos que já lá vão viva na ilha do Corvo uma mulher que conhecia as artes da feitiçaria. As pessoas tinham medo dela mas procuravam-na quando estavam aflitas. Pediam-lhe remédios para os doentes, cura para os males de amor, mezinhas para proteger os homens que saíam à pesca. No entanto, nunca a visitavam só para fazer companhia e não a deixavam participar nas festas da vila. Assim, a pobre mulher passava a maior parte dos dias muito triste e sozinha. A sua única alegria era o filho. Cuidava dele com desvelo e cobria-o de carinhos.
Quando o rapaz cresceu decidiu ensinar-lhe os segredos da sua profissão. Nas noites de lua cheia ia com ele apanhar ervas, pedrinhas, algas e conchas, pequenos animais. Depois faziam misturas num grande caldeirão. Mas o feitiço só ficava pronto se fervesse sete dias sem parar. Enquanto o líquido borbulhava, ela dizia palavras incompreensíveis. A lengalenga terminava sempre da mesma maneira: «... Restrimore... Lagartãe... Alípio, hás-de-vingar a tua mãe...».
Certo dia a ilha do Corvo foi atacada por piratas mouros. Os pescadores deram o alerta e toda a gente fugiu a esconder-se. Ninguém se deu ao trabalho de prevenir a feiticeira e o filho.
Os intrusos encontraram a cabana mas não puderam fazer-lhes mal porque os poderes mágicos eram muito fortes.
Ela puxou uma nuvem do céu e ficou invisível no centro da bruma. Antes de desaparecer, ordenou ao filho: «...vai para bordo! O teu destino é longe daqui...».
 Os piratas raptaram Alípio. Ou melhor, julgaram raptá-lo porque o rapaz seguiu-os de boa vontade. Queria obedecer à mãe e o mar fascinava-o. Durante alguns anos andou embarcado. Os companheiros chamavam-lhe apenas Ali, nome comum entre os mouros. Não tardou para que assumisse o comando do navio.
Logo que pôde decidir que rotas haviam de tomar, mandou largar vela em direcção à ilha do Corvo. Ia satisfazer o pedido da mãe. Saltou em terra disposto a cometer as maiores barbaridades.
Morta de medo, a população procurou refúgio nos morros, onde nenhum estrangeiro se atreveria a penetrar.
Ali perseguiu-os, rindo à gargalhada, pois conhecia todos os recantos desde criança. Quando atingiu as lagoas do Caldeirão, deteve-se. Matar aquela gente parecia-lhe uma vingança fraca. Desejava atormentar os habitantes da ilha de geração em geração!
De súbito, ocorreu-lhe uma ideia melhor. Usou os poderes mágicos que a mãe lhe tinha ensinado e para enfeitiçar o vento. Deste modo, sempre que os moinhos girassem, o seu riso havia de se espalhar pela ilha provocando arrepios de pavor...
Contente consigo mesmo, soltou gargalhadas loucas e partiu para não mais voltar. Mas ainda hoje o povo se arrepia com os ruídos estranhos que se ouviam nas tempestades. São as gargalhadas de Ali, o feiticeiro.
Nos dias de hoje é ainda possível visitar, na ilha do Corvo, as diversas covas que o povo usava para guardar os diversos produtos, que se alimentavam durante o ano, dos ataques dos piratas.

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