Deixo-vos com uma entrevista feita pelo colaborador do
jornal “O Dever”, Manuel C. Martins, a um baleeiro imigrado no Canadá.
M.C.M: Como é que viviam naquele tempo, porque as baleias
não apareciam todos os dias e as soldadas só eram pagas quando vendiam o azeite?
A.J.M: A nossa vida era bem apertada! Eu baleava, trabalhava
de estivador quando o Vapor Lima aportava às Lajes, quinzenalmente,
para deixar carga e passageiros, trabalhava nas minhas terras e como assim em
qualquer trabalho que me aparecesse e, por vezes, queria um escudo e não tinha.
Ia-se ao mar pescar e apanhava algum peixe, vendia fiado porque não havia o
dinheiro para pagar a pronto. Levávamos uma vida apertada! O senhor não vai
acreditar, que eu vim dos Açores para o Canadá e ainda ficou por lá seis contos
e tal para receber. Gosto muito da minha terra, mas, também gosto deste país
que me acolheu, mas não esqueci o que por lá andei e deixei…
M.C.M: Voltando ao mar das baleias, o Sr. Albertino não
tinha receio daqueles monstros marinhos quando vinham à superfície junto dos
botes?
A.J.M: Era o que nós queríamos! Quanto mais perto
estivéssemos mais sujeitos estávamos a apanha-las. Felizmente nunca tive receio
da vida baleeira, senão em uma ocasião, quando perdemos um dos bons
companheiros da baleação, o Francisco Burques, um dos grandes arpoadores.
M.C.M: Havia muitos acidentes quando andavam no mar,
perseguindo ou trancando baleia?
A.J.M: Sim! Aconteciam alguns! Mas nada que se parecesse com
este! Não no nosso porto! No porto da Calheta aconteceu com um trancador de
nome António Teixeira, quando a baleia com o rabo destruiu o bote. O João
Saltão do mesmo porto, foi parecido com o nosso colega Francisco Burques foi
sugado pela linha do arpão.
No porto das Lajes aconteceu alguma costela partida de
toques que a baleia por vezes dava no bote, um corte, picadas de arpão tudo
isso são acidentes, mas como o do Francisco Burques, não tinha ainda
acontecido.
M.C.M: Albertino, poderá descrever-me como aconteceu o
malogrado acidente com o senhor Burques?
A.J.M: Foi pela proa fora, embrulhado na linha ao trancar a
baleia. Estive lá porque retrancamos a baleia sem saber o que tinha acontecido
ao nosso colega Francisco.
Aconteceu no dia 15 de agosto do ano de 1948, ao rasgar da
manhã, o vigia deu sinal de baleia. Eram grandes. Arriamos, eu ia sentado, a
olhar para fora e notei qualquer coisa de estranho com botes que já estavam a
balear e disse ao meu oficial.
-Oh mestre Manuel! Está um bote nosso trancado ali e vão
pondo bandeiras e os botes vão chegando para lá todos e o bote não põe
bandeira?
-Este por sua vez chamou à atenção do Mestre Tiauguinha
(pois íamos a reboque, atrás da lancha Lourdes).
- Imediatamente o Oficial mandou deitar ao mar o cabo de
reboque e fomos à baleia e trancaram-na. Tudo natural, por acaso até ela foi
muito boa porque se ela bate, não sei se estaria hoje aqui a contar a estória
ao Senhor Martins.
- Depois do susto começámos a trabalhar normalmente. Atámos
a baleia, mas quando estávamos à espera dela morrer, (aquilo quando são as
últimas laçadas, não é bom ir a ela, porque tem uma altura que corre e não se
desvia de nada, o que estiver na frente fica, porque adiante, ela fica de
espiráculo no ar, morta.)
- Estávamos na azáfama de terminar a vida da baleia, quando
passa ao lado da lancha Aliança timonada
pelo filho do Manuel Joaquim, eu perguntei em voz alta:
- Oh Manuel! O que aconteceu?
- Ele disse-nos:
- Essa baleia levou o francisco Burques embrulhado na linha
do arpão! Ficámos todos aterrorizados. O Mestre Manuel desorientou e saltou
para a lancha Aliança pois ela estava
ao nosso lado. Ele nunca devia ter saído do bote para fora!
O José Tiauguinha era o trancador, é que foi fazer de guarda
oficial. O José Martiniano foi puxar a linha para a proa e, eu, fui puxando de
trás e metendo dentro do bote. Fomos puxando, puxando e às tantas o José
Martiniano, voltou-se para mim e disse:
- Albertino! Olha para fora da borda!
Quando olhei, por ironia do destino, vejo o corpo malogrado
do Burques, inerte, enrolado na linha do bote do Manuel Moniz que vinha
entrelaçada com a nossa linha.
- Gritei para os outros:
- Peguem nele!
Mas todos se amedrontaram. Depois quem lhe pegou foi o irmão
Mariano Machado, segurado pelo cinto por José Martiniano. Nós metemo-lo dentro
e deitámo-lo em cima da quilha. Depois verifiquei que o homem não ficava bem
ali, pedi ao José Tiauguinha a sua caixa de comida, puxei-o para o meio da
quilha do bote, sentei-me em cima e deitei o cadáver do homem em cima das
minhas pernas e foi assim que o trouxemos para terra.
A Aliança nunca
chegou para por o Mestre Manuel no bote. Quando vínhamos pelo baixio acima, não
sei quem disse, mas acho que foi o José Tiauguinha:
- Isto é uma chatice! O meu padrinho não está aqui, vamos
entrar com a falta dele?
Vai ser um dia de Juízo!
-Vocês ponham a giba grande por detrás.
Assim foi, pus! Não alguém pôs por detrás de mim a giba por causa
de quando entrássemos no Caneiro, eles não poderem ver e voltar-se a nós.
Íamos por lá dentro e ao chegarmos o filho do Mestre Manuel
estava em cima do cais e não viu o pai no bote, ficou alarmado, os amigos
tiveram de o acalmar e dizer-lhe que o pai estava na Aliança.
De seguida foi ajudar a levar o Francisco a casa, mas já não
entrei, não pude presenciar a lamentação da mulher e das crianças.
E foi assim o desenvolver desta tragédia (a vida dos
baleeiros).
M.C.M: O senhor Albertino está a contar-me uma estória que
aconteceu há sessenta e seis anos e, ainda se comove ao lembrar-se desse dia.
A.J.M: Desculpe mas isto aconteceu (aluindo à sua emoção)
foi depois de eu ter iniciado o relato desta tragédia aqui, se eu não o
contasse ela perder-se-ia no tempo.
M.C.M: Obrigado por querer deixar para a posteridade esta
estória da saga Baleeira nos mares do Açores, em homenagem aos “Baleeiros
Picoenses de Antanho”…
Fonte: Jornal “O Dever”
Ana Cabrita
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