Culturpico FM à conversa com Fernando
António Goulart, natural de Santa Cruz das Ribeiras, Lajes do Pico.
No
passado dia 18 de Maio, o programa de rádio, Culturpico FM, através das
colaboradoras Marilda Tavares e Carolina Simas estiveram à conversa com o
senhor Fernando António Goulart relativamente à confeção das Sopas do Divino Espírito Santo, entrevista
esta alusiva à festividade.
As festas em louvor do Divino Espírito Santo são um dos traços mais marcantes
da identidade açoriana, aliás, não há localidade açoriana que por estes dias
não viva a festa do Divino.
Fernando António Goulart, natural do lugar de Santa Cruz das Ribeiras já
confeciona as tradicionais sopas do Espírito
Santo há 27 anos, algo que lhe dá muito gosto pela imensa fé que tem ao Divino
Espírito Santo.
Marilda Tavares - Bom dia, seja bem-vindo ao nosso
programa Culturpico FM.
Como surgiu este gosto e com quem aprendeu a fazer as sopas do Espírito Santo?
Fernando A. Goulart - Quero desde já
agradecer o convite ao Programa Culturpico FM, nomeadamente aos seus
colaboradores.
Sempre fui devoto do senhor Espírito Santo, por isso o gosto pelas sopas surgiu naturalmente, até porque já
a minha avó fazia. No entanto, quem me incutiu o gosto por fazê-las foi uma
grande mulher, a senhora Beatriz, natural do lugar das Terras, no qual comecei
por ajudá-la com os tachos e temperos.
Certo dia pediram-lhe para ela confecionar sopas
para um casamento, no entanto a senhora Beatriz já tinha um compromisso
agendado para esse dia e indicou-me para a substituir. Foi assim que tudo
começou, no dia 3 de dezembro de 1988, mais precisamente à 27 anos e continuo
até aos dias de hoje.
Carolina Simas - Quantos dias levam a
preparação das sopas?
Fernando A. Goulart - Geralmente as senhoras juntam-se na quarta-feira antes do
Espírito Santo para fazerem o fermento, o bolo e o pão de milho e claro o pão
das sopas do Espírito Santo. São mais
ou menos cinco dias antes do dia da festa em questão. Prepara-se a comida, bem
como a sala que recebe os convidados.
Marilda Tavares - Quais são os principais ingredientes, se é que
pode revelar?
Fernando A. Goulart - Posso revelar sem problema
algum, aliás quando as pessoas me pedem a receita dou-a de boa vontade.
Então, um tacho de 50 litros leva, mais ou menos, 18 a 20 Kg de carne mista, o
que dá para aproximadamente 30 pessoas. Ao nível de temperos: Cebolas (8
cabeças); alhos (7 cabeças); Tomatada; Jamaica (4 colheres de sopa); canela em
pau; 3 caldos Knorr; 125gr de manteiga; 8 folhas de couve; hortelã; 10 pães das
Sopas do Espírito Santo. Quero
salientar que é necessário salgar a carne entre 12h a 15h antes, mas com pouco
sal. Sou muito sincero, não confio em ninguém para o fazer para além da minha
pessoa.
Claro que o tempero depende muito do paladar de quem estar a confecionar, mas
isso já vai do gosto de cada um.
Carolina Simas - Depois desses anos todos a confecionar as tão
desejadas e deliciosas Sopas do
Espírito Santo, ainda o faz com o mesmo prazer e empenho de anos passados?
Fernando A. Goulart - Faço sempre como se fosse o
primeiro dia e com o mesmo empenho de sempre, acompanhado da minha enorme fé
que tenho no Divino Espírito Santo.
Se o mordomo da festa quer que as sopas
fiquem boas, pois eu quero ainda mais que ele, e quando não pensar desta forma,
não vale a pena continuar a fazer.
Marilda Tavares - Tem alguém que esteja a aprender consigo?
Marilda Tavares - Tem alguém que esteja a aprender consigo?
Fernando A. Goulart - Não tenho ninguém que esteja a
aprender comigo, mas tenho pessoas que me abordam bastante interessadas nesta
matéria, como por exemplo o Ricardo Tavares, natural de Santa Cruz das
Ribeiras, que tem muito jeito e bom paladar para confecionar as sopas. Outra pessoa interessada, também
do lugar de Santa Cruz, é o Rui Costa.
Tenho pena que os mais novos não se interessem por uma tradição da nossa Terra,
outros gostam de ajudar mas não querem assumir a responsabilidade.
Carolina Simas - Vê nas gerações mais novas o gosto pela cozinha
tradicional das “nossas” festas?
Fernando A. Goulart - Infelizmente não! Gosto muito
dos jovens e apoio-os em tudo, no entanto estão mais virados para outras
“distrações”. No meu ponto de vista, a fé não é igual como aquela que está presente
nos mais antigos.
Acho importante que se comece a incutir o gosto pelas nossas tradições nas
camadas mais jovens, nomeadamente o culto ao Divino Espírito Santo.
Marilda Tavares - Além das sopas também confeciona a carne assada?
Fernando A. Goulart - Só ajudo na vinha d’alhos ou a
preparar as travessas. A carne assada é geralmente da responsabilidade das
senhoras que estão na cozinha e destacadas para o forno.
Carolina Simas - Só faz as sopas
cá na freguesia ou já fez noutros lugares, nomeadamente fora da ilha?
Fernando A. Goulart - Tanto faço cá na ilha do Pico
como fora dela. Já fui duas vezes à
Casa do Triângulo nas Capelas e também duas vezes ao Coliseu Micaelense, isto
na ilha de São Miguel. Foi uma boa experiência, com pessoas muito interessadas,
que gostam de ajudar e que têm imensa fé no Divino Espírito Santo. Felizmente
correu tudo muito bem.
Aqui na ilha do Pico, mas fora da freguesia das Ribeiras, já fiz sopas na Prainha do Norte, nas Sete
Cidades na Madalena, Piedade e Ribeirinha, sendo que a maior contou com 1200
pessoas para o senhor João Alemão.
Isto sem contar que todos os anos confeciono as sopas para o lugar de Santa Cruz, Ribeira Grande e Pontas Negras na
freguesia das Ribeiras.
Marilda Tavares - As sopas do Divino variam, por vezes bastante,
de freguesia para freguesia e de ilha para ilha. Em que se diferencia as que
confeciona em relação às outras?
Tem algum segredo?
Fernando A. Goulart - Fico muito satisfeito por
acharem que as minhas sopas estavam boas e que são mais leves, sem exagerar no
tempero, no entanto não são as únicas. Por exemplo, já comi sopas em S. Roque do Pico e o que as
diferenciava das minhas era o picante. Estavam também boas, mas com algum
picante. Outras têm um ligeiro sabor a vinagre derivado ao vinho branco que
colocam. Não coloco vinho branco nas minhas sopas.
Sou da opinião que o concelho das Lajes do Pico, desde a Ribeirinha a S. João,
é o que melhor confeciona as sopas do
Espírito Santo.
Carolina Simas - No dia do “Gasto de Coroa”, a que horas
levanta-se?
Fernando A. Goulart - Depende da hora a que a missa
da festa irá realizar-se, mas geralmente acordo pelas 4horas da manhã para
garantir que tudo está pronto a tempo e horas. É muita responsabilidade e não
convém facilitar.
Marilda Tavares - Quanto tempo leva até servir as sopas aos convidados?
Fernando A. Goulart - Bem, a carne leva geralmente
quatro horas a cozer e depois é necessário que repouse. Depois de isto estar
feito, coloca-se o caldo nas sopas e
tapa-se com papel, aproximadamente durante uma hora.
Quando o foguete é lançado, no final da missa, tem de estar tudo pronto a ser
servido. Este processo leva cerca de duas horas.
Carolina Simas - Para quantos pessoas costuma normalmente
preparar as sopas?
Fernando A. Goulart - Os números variam, por exemplo,
já fiz para 120 pessoas, 150, 300, 400, 500, 800 no caso das Sete Cidades, 1000
em Santa Cruz das Ribeiras e 1200 pessoas na Ribeirinha. Depende da quantidade
de pessoas que o mordomo da festa em questão convida.
Só depois de saber o número exato das pessoas convidadas é que posso preparar a
comida.
Marilda Tavares - O que representa para si o Culto ao Divino
Espírito Santo? Desempenha estas funções pelo amor e dedicação à fé que tem?
Fernando A. Goulart - Acho que com o passar dos anos
ainda tenho mais fé no Divino Espírito Santo, e é por isso mesmo que continuo a
fazer as sopas, pela minha grande fé.
Gosto de ajudar no que posso apesar de atualmente, por questões de saúde, não o
poder fazer como gostaria.
Carolina Simas - É uma forma de ajudar e participar na vida da
comunidade?
Fernando A. Goulart - Sim e também é uma forma de não
deixar morrer as tradições que caraterizam esta Terra.
Marilda Tavares - Senhor Fernando, não sei se quer acrescentar mais
alguma coisa?
Fernando A. Goulart - Quero agradecer o convite à
rádio Montanha, em especial ao programa Culturpico FM, por esta oportunidade e
que gostem das sopas para esta festa
do Divino Espírito Santo.