Hoje vou falar-vos de uma das tradições mais apreciadas pelos terceirenses e que está prestes a recomeçar este ano – a tourada à corda.
As touradas à corda têm início a partir de Maio e estendem-se até ao mês de Outubro, tendo lugar em várias localidades da ilha.
No que respeita à sua origem, alguns historiadores são da opinião que foram um gosto herdado dos castelhanos, quando por cá andaram no período da dominação filipina.
Na Tourada à Corda, o toiro é amarrado pelo pescoço com uma corda (razão que lhe dá o nome) antigamente feita de sisal e hoje em dia feita de nylon. A corda tem cerca de 85 a 90 metros, espessura de 1 polegada e ¾, formando na extremidade inferior uma pequena argola de 6 a 10 centímetros de diâmetro, chamada bolsa ou nó. Esta argola destina-se a ser enfiada no gancho da gaiola, impedindo que o toiro ao ser recolhido apanhe os pastores desprevenidos.
Na corda usam-se sempre 9 homens, chamados pastores, distribuídos da seguinte forma: atrás estão os cinco pastores da pancada ou da ponta da corda, sendo o do extremo denominado da bolsa ou nó e o da frente da pancada e aos restantes três intermédios.
A 35 ou a 40 metros do toiro, estão colocados os chamados pastores do meio da corda, sendo o da frente o mestre, precedido de 2 intermédios e por último o rodador, que tem por missão puxar a corda para junto dos outros três e sempre que necessário, dar corda para virar e possibilitar ao mestre mudar de lado.
O mestre da corda orienta toda a manobra, transmitindo por sinais, quase imperceptíveis, ao pastor da pancada, as suas ordens, dependendo muitas vezes desse silencioso entendimento o êxito das corridas.
São os pastores do meio da corda que manobram o toiro de forma a evitar que salte a lugares com pessoas, nomeadamente mulheres e crianças, obstando situações catastróficas, ou pelo contrário, procuram alcançar algum toureiro improvisado que em rasgo de intencional ousadia ouse desfeitear o matuto, pondo em perigo os brios da ganaderia.
Os pastores trajam camisolas de linho branco, calças de cotim cinzento e calçam sapatos de lona, tendo a cobrir-lhes a cabeça, chapéus tipo andaluz, também designados por chapéus à mazantini.
Antigamente vinham descalços e na cabeça usavam chapéus de feltro e aba larga e copa em forma cónica, originada por quatro amolgadelas.
O número de toiros corridos numa tourada à corda nunca excede os quatro, sendo o tempo de actuação de cada toiro de 20 a 30 minutos, havendo um intervalo no final do segundo, com as entradas e saídas assinaladas pelo estalar de um foguete, à excepção do último que ao ser recolhido é precedido de um girândola a marcar o final da tourada.
Antigamente, os toiros vinham para o local da corrida em manadas junto com as vacas bravas, designando-se vaca do sinal à que caminhava à frente e ao chegarem ao local da corrida davam entrada num recinto tapado com madeira, o chamava “touril”, armado à entrada de um caminho secundário (canada), onde aguardavam o momento de serem corridos.
No “touril” estava instalado o caixão, grande caixa construída em madeira, onde os toiros eram introduzidos para a embolação e amarração, operações que consistem, a primeira, em revestir as pontas dos chifres de uma protecção metálica, a terminar em bolas, ou numa espécie de copos revestidos de cabedal, enquanto a segunda como o seu nome indica, destinava-se a amarrar o toiro.
Actualmente, quando termina a tourada a comissão organizadora da tourada oferece um jantar aos pastores.
Hoje em dia, os toiros são transportados em camionetas, alojados em gaiolas, desapareceram os touris e os caixões, servindo as próprias gaiolas de caixões, sendo os toiros amarrados e embolados por uma abertura rasgada na parte superior da gaiola, onde uma tranca atravessada não os deixa atingir o nível superior da referida abertura.
Uma corda, passada por baixo do pescoço do toiro, é puxada de encontro à tranca imobilizando-lhe a cabeça, de forma a permitir que ele seja trabalhado sem risco algum.
A tourada à corda é um espectáculo alegre, onde centenas de homens descontraídos desfilam mirando balcões, muros e janelas das mais belas raparigas das freguesias.
Explode o foguete e toda agente dispersa-se à frente do toiro, numa correria louca, desenfreada.
Surge, então, um afoito capinha, (nome que lhe é atribuído, pois antigamente o artista tauromáquico tinha esta designação por usar o capote – também conhecido por capa – e desta forma por, por analogia, passou-se a designar de “capinhas” aos indivíduos que nas touradas à corda brincam com os toiros) que vão lidando o toiro, o que não é tão fácil como parece, pois requer, para além de muita agilidade, uma certa habilidade e sobretudo muita prática, havendo muitas vezes, um entendimento táctico entre dois capinhas.
Da habilidade e intencionalidade de alguns capinhas, depende, muitas vezes, o êxito ou o fracasso de uma ganaderia.
Como boa festa terceirense não podiam faltar os “comes e bebes”. Para tal, existem as chamadas tascas. A tasca é um estabelecimento improvisado, característico das nossas touradas à corda que, antigamente, eram armadas num cerrado, nos baixos de uma casa ou prédio. Hoje em dia, as tascas são em pequenas carrinhas, para se poderem mover, ou seja, para irem a diversas touradas.
As iguarias que lá se podem encontrar vão desde:
· Favas Escoadas;
· Favas de Molho de Unha;
· Chicharros e Cavala de Molho Cru;
· Caranguejos Cozidos;
· Ovos Cozidos;
· Lapas;
· Cracas;
· Linguiça frita.
Para finalizar comemora-se o quinto toiro na casa de algum amigo ou familiar, onde os petiscos, a boa disposição e o clima festivo da tourada continuam a reinar.